A trajetória profissional da delegada Lisiane Mattarredona
A primeira mulher a assumir o posto de delegada no Brasil trabalhou durante 44 anos na profissão. Ela também foi a primeira secretária de Segurança Pública e responsável por criar, em 1983, a primeira delegacia somente com mulheres em Santa Catarina, a 6ª Delegacia de Polícia (DP) de Florianópolis. Lúcia Maria Stefanovich faleceu aos 69 anos em 2017 e, mesmo já estando aposentada, […]
A primeira mulher a assumir o posto de delegada no Brasil trabalhou durante 44 anos na profissão. Ela também foi a primeira secretária de Segurança Pública e responsável por criar, em 1983, a primeira delegacia somente com mulheres em Santa Catarina, a 6ª Delegacia de Polícia (DP) de Florianópolis.
Lúcia Maria Stefanovich faleceu aos 69 anos em 2017 e, mesmo já estando aposentada, seguia atuando na 2ª DP da capital. De lá para cá, o número de mulheres ingressando na área cresceu significativamente e, hoje, é comum vê-las atuando. Dessa forma, a ideia de que policial é uma profissão masculina já perdeu a força.
Em Pelotas e região são oito delegadas: Lisiane Mattarredona, da 1ª Delegacia de Polícia Civil de Pelotas (1ª DP) e titular da Delegacia de Polícia de Canguçu; Márcia Chiviacowsky, da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA); Walquíria Meder, da 2ª Delegacia de Polícia Civil de Pelotas (2ª DP); Anita Carúccio, da Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA); Maria Angélica Gentilini, da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam); Cristiane Ulguim, também da DPPA; e Lígia Furnaletto, a primeira mulher a assumir o posto de delegada da 7ª Delegacia Regional de Polícia Civil (7ª DPR).
O jornal Diário Popular, de Pelotas, produziu uma série sobre o Dia Internacional da Mulher. O segundo capítulo da série e reproduzido a seguir pelo Canguçu On Line.
LISIANE MATTARREDONA, DELEGADA DE CANGUÇU
Lisiane Mattarredona entrou na faculdade de Direito em 2003 e se formou quatro anos depois. Já em 2010, foi aprovada no concurso para delegada de polícia e ingressou na área em outubro do mesmo ano.
A primeira etapa da carreira foi na 1ª Delegacia de Trânsito de Pelotas. Depois, passou quatro anos na Delegacia da Mulher. Hoje, atua na 1ª Delegacia de Polícia Civil (1ª DP) em Pelotas há três anos. Ela também responde, concomitantemente, pela Delegacia de Canguçu há 12 meses.
Prestes a completar oito anos de profissão, Lisiane acredita que, atualmente, é muito mais fácil ser mulher na área policial.
— Em Pelotas, nós somos muitas delegadas — diz.
O número de mulheres concorrendo a cargos de delegada, escrivã e inspetora mostra como é grande o avanço.
— Isso simboliza a força da mulher na polícia — relata.
É necessário, no entanto, provar constantemente seu potencial, superando expectativas e demonstrando ser extremamente profissional, afim de ser respeitada pelos colegas de trabalho.
De acordo com Lisiane, a Delegacia da Mulher, por ser especializada, exige um preparo diferenciado para lidar com as vítimas de violência. Sensibilidade e empatia são essenciais na hora do acolhimento, bem como o conhecimento policial.
Já na 1ª DP, se abre um leque maior de crimes, como tráfico de drogas, roubo, furtos e receptação. É exigido do profissional constante atualização e aprimoramento.
— Mas a rigor, quando você se forma na Academia de Polícia, você está preparado para assumir qualquer delegacia — explica.
No dia a dia, a delegada trabalha com mais homens do que mulheres. Porém, ela considera a sociedade muito mais aberta às diferenças. Por isso, a entrada das mulheres está sendo aceita com mais naturalidade em espaços que costumavam ser, até então, masculinos. O respeito vem através do profissionalismo.
— Com esses oito anos de trabalho, o que eu posso dizer é que eu não sinto nenhuma forma de preconceito por ser mulher, não me sinto desprestigiada por ser mulher —confessa.
MULHER CAMALEOA
Desde criança, Lígia Furnaletto não seguia os padrões preestabelecidos para meninos e meninas.
— Sempre fui muito livre — ressalta.
Foi assim que ela percebeu que, de fato, era possível exercer os mesmos papéis que os homens. Na faculdade, foi estagiária do Ministério Público e passou a ter um contato maior com a profissão que seguiria carreira. Foi amor à primeira vista, diz.
Mesmo em um ambiente predominantemente masculino, com homens mais velhos, que nunca haviam trabalhado com mulheres, Lígia passou por todas as delegacias da região. Hoje, após várias barreiras quebradas, tornou-se a primeira mulher a ser titular da 7ª Delegacia Regional de Polícia Civil (7ª DPR) em Rio Grande.
O mais difícil, segundo Lígia, é conciliar o papel de mãe – com duas lhas pequenas – com o de profissional. Por isso, acredita na ideia de que toda mulher é um “pouco camaleoa”. Isso ajuda em uma das principais tarefas da profissão: ter um olhar mais humano para conseguir entender todos os lados das situações.
A delegada também conta que nunca sofreu diretamente algum ato preconceituoso. Porém, o preconceito existe, reforça. Em um ambiente cercado por homens, é necessário provar sua capacidade para quebrar o conceito inicial de que a mulher não pode exercer determinados papéis. O preconceito, apesar de velado, fica claro quando se percebe que ainda existe o pensamento de que o sexo feminino não é capaz de realizar tarefas ditas como masculinas.
— Uma mulher pode, sim, estar na linha de frente da polícia — afirma.
MULHERES FAZENDO HISTÓRIA
Delegada Há 15 anos, Maria Angélica Gentilini já passou pela Delegacia de Trânsito, DPPA, DPCA e 1ª DP. Também percorreu várias cidades da região, como Canguçu e Pedro Osório. Desde a fase acadêmica, ela já se inclinava para a área de Direito Penal e se especializou em Ciências Criminais.
Na sua turma, quase metade dos estudantes era mulher. Isso, de acordo com ela, mostra como as mulheres passaram a exercer diferentes cargos mediante sua luta para ocupar espaço na sociedade. Maria Angélica acredita que não existe mais a ideia de que a área policial é destinada a homens.
— A mulher tá fazendo história. A gente tá trabalhando e buscando igualdade — justifica.
A sua missão é clara: mostrar às mulheres que elas têm direitos que não devem ser tirados ou silenciados. Ela lembra que, antigamente, a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) se chamava apenas Delegacia da Mulher. Hoje, Pelotas conta com uma casa de acolhida para vítimas. Há todo um trabalho dedicado em ajudar, então é de extrema importância denunciar casos de violência.
— Mulher precisa ajudar mulher — afirma.
Empatia e se colocar no lugar um do outro, olhando de forma diferente para as vítimas, são essenciais no seu cargo.
A delegada ressalta que todo dia é dia da mulher, não apenas no 8 de março. A diferença pode ser feita desde a infância, educando meninos e meninas de maneira igual e ajudando na desconstrução do machismo e preconceito. Por isso, a Deam busca estimular mulheres e mostrar que a lei é eficaz. Admiração, orgulho e felicidade ao ver uma mulher ocupando um cargo importante são a retribuição para tanto esforço.
— As vítimas nos enxergam como salvação (…) muitas dizem: que bom que tem uma mulher à frente — conta.
Informações: Marina Amaral – Diário Popular