Coluna Dom Jacinto Bergmann: os chamados do amor
CARROÇAS VAZIAS e CARROÇAS CHEIAS Caiu-me nas mãos nesta semana, mais uma vez, um conto muito conhecido. Em contextos diferentes, ele sempre é loquaz. No contexto da pandemia em que vivemos, a sua loquacidade é sensivelmente atual, pertinente e transparente. O conto é: “Certa manhã, meu pai, muito sábio, convidou-me a dar um passeio no bosque […]
CARROÇAS VAZIAS e CARROÇAS CHEIAS
Caiu-me nas mãos nesta semana, mais uma vez, um conto muito conhecido. Em contextos diferentes, ele sempre é loquaz. No contexto da pandemia em que vivemos, a sua loquacidade é sensivelmente atual, pertinente e transparente.
O conto é: “Certa manhã, meu pai, muito sábio, convidou-me a dar um passeio no bosque e eu aceitei com prazer. Ele se deteve numa clareira e depois de um pequeno silêncio me perguntou: Além do cantar dos pássaros, você está ouvindo mais alguma coisa? Apurei os ouvidos alguns segundos e respondi: Estou ouvindo um barulho de carroça. Isso mesmo, disse meu pai, é uma carroça ‘vazia’. Perguntei ao meu pai: Como pode saber que a carroça está ‘vazia’, se ainda não a vimos? Ora, respondeu meu pai: É muito fácil saber que uma carroça está ‘vazia’ por causa do ‘barulho’. Quanto mais ‘vazia’ a carroça, maior é o ‘barulho’ que faz”.
Antes da pandemia, sim, as carroças vazias faziam muito barulho. Um barulho ensurdecedor! Porém, a chegada da pandemia não fez aumentar o barulho das carroças vazias. Ao contrário, como um fenômeno novo, fez silenciar o próprio barulho. O seu vazio barulhento foi escancarado: o vazio da fé interesseira, o vazio da esperança ilusória, o vazio do amor centrífugo não consegue mais fazer barulho. Carroças vazias, já não mais barulhentas, necessariamente estão dando e deverão dar espaço às carroças cheias de fé gratuita, de esperança consistente e de amor centrípeto. Essas que estavam, antes da pandemia, inclusive um tanto abafadas pelo barulho das carroças vazias.
A pandemia está exigindo carroças cheias. Elas devem ocupar o seu espaço de silêncio construtivo, que o espaço do barulho destrutivo das carroças vazias ocupou. É momento de escutarmos o silêncio de uma fé gratuita, de uma esperança consistente e de um amor centrípeto.
Trata-se, (aqui exprimo minha convicção) de uma fé gratuita, uma esperança consistente e um amor centrípeto num Deus silencioso revelado, e, não em “deuses” barulhentos criados por nós. Um Deus que se revela a nós como criador de tudo e de todos – Deus da criação e da história; um Deus que se revela a nós como redentor de tudo e de todos – Deus da salvação e da ressurreição; um Deus que se revela a nós como santificador de tudo e de todos – Deus da vida e da santidade.
Nesta pandemia e logo mais pós-pandemia, não é mais hora de carroças vazias de uma fé interesseira, uma esperança ilusória e um amor centrífugo em deuses que nós criamos e que fazem barulho: elas não são capazes de nos preencher de sentido da vida. Mas sim, é hora decisiva de uma fé gratuita, esperança consistente e amor centrípeto no Deus revelado a nós e que é silencioso: essas, sim, são capazes de nos preencher de sentido da vida.
Não há mais espaço para carroças vazias barulhentas; há espaço para carroças cheias silenciosas.
Dom Jacinto Bergmann, arcebispo metropolitano da Igreja Católica de Pelotas