Dom Jacinto Bergmann: deixai vir a mim, por quê?
No próximo dia 12 de outubro celebramos o Dia da Criança (meus parabéns mais carinhosos a todas as crianças de idade e de espírito). Esse dia, desde minha infância até hoje já caminhando para os 70 anos de vida, sempre me foi e é muito caro à mente e ao coração. Simplesmente “adoro o Dia […]
No próximo dia 12 de outubro celebramos o Dia da Criança (meus parabéns mais carinhosos a todas as crianças de idade e de espírito). Esse dia, desde minha infância até hoje já caminhando para os 70 anos de vida, sempre me foi e é muito caro à mente e ao coração. Simplesmente “adoro o Dia da Criança”! Mais, a partir do momento que tive contato consciente com a Palavra de Deus, a atitude e a palavra de Jesus quando se achegaram a Ele crianças e os seus discípulos proibiram à aproximação delas, foram e são objeto de minha meditação, contemplação e mistagogia.
A descrição da atitude e as palavras de Jesus encontram-se praticamente iguais nos três Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, tanto na língua original grega como nas traduções. Descrevem a mesma atitude de indignação de Jesus com os discípulos de não deixarem as crianças se aproximarem Dele e colocam as mesmas palavras proferidas por Jesus: “Deixai as crianças virem a mim e não as impeçais, pois o Reino do Alto (de Deus) pertence aos que se assemelham a elas”.
Ao lermos as palavras de Jesus: “Deixai as crianças virem a mim…, pois o Reino do Alto (de Deus) pertence às crianças”, vem também logo presente a oração que Ele proferiu num outro momento: “Eu te louvo, ó Pai, porque escondestes as coisas do Alto (de Deus) aos grandes e complicados e as revelastes aos pequenos e simples” (tradução “livre” minha do original grego).
Jesus, usando na oração, a linguagem da “pequenez” e da “simplicidade” para a criança e a linguagem da “grandeza” e “complexidade” para a não-criança, qual o entendimento que Ele tinha? Ouso traduzi-lo nas palavras que seguem.
A “pequenez” da criança é o não-poder de força-própria, uma vez que toda a sua força vem de Deus. A criança não confia na sua força-própria, mas deposita sua força na força de Deus. Ela, assim, é “fraca” por ser “pequena”. Porém, sua “fraqueza” é sua “força”, porque confia no “Todo-poderoso”. Desse entendimento de “pequenez” da criança, vai-se ao entendimento de “simplicidade” da criança. Simplicidade, que por sua vez, significa um desapego de tudo. Por que apegar-se a algo se sua “força” está em Deus? É Ele que provê tudo!
Deus e as coisas do Alto são revelados às crianças – os “pequenos e simples” – porque não confiam na força-própria, mas confiam na força de Deus. Elas acabam sendo parceiras de Deus, sem nenhuma competição com Ele. Uma parceria feliz, pois o “Todo-poderoso” tem toda a força da felicidade total. Por isso, Maria de Nazaré, rezou no seu Magnificat: “Deus exalta os pequenos”. E seu Filho também rezou” “Ó Pai, eu te louvo porque revelastes ao coisas do Alto aos pequenos e simples”.
A “grandeza” da não-criança é o poder de força-própria, uma vez que acumula toda a sua força em si mesma. A não-criança confia na sua força-própria, e não deposita sua força em Deus. Ela, assim, é “forte” por ser “grande”. Porém, sua “grandeza” é sua “fraqueza”, porque disputa força com o “Todo-poderoso”. Desse entendimento de “grandeza” da não-criança, vai-se ao entendimento de “complexidade” da não-criança. Complexidade, que, por sua vez, significa um apego a tudo. Não é possível desapegar-se de tudo, pois, assim, perde a sua força-própria; é preciso garantir a minha força-própria e idolatrar-me com a força acumulada. Tudo torna-se complicado!
Deus e as coisas do Alto são escondidas às não-crianças – os “grandes e complicados” – porque só confiam na força-própria e não confiam na força de Deus. Elas acabam sendo rivais de Deus, instaurando uma competição de força e até se colocando no lugar de Deus. Uma competição inglória, pois só um é “Todo poderoso” do qual vem toda a força da felicidade total. Por isso, Maria de Nazaré, rezou no seu Magnificat: “Deus derruba ao poderosos”. E seu Filho também rezou”: “Ó Pai, eu te louvo porque escondestes ao coisas do Alto aos grandes e complicados”.
Penso que eu consegui responder o porquê do “Vinde a mim…”. Por que sermos “grandes e complicados”, quando podemos e devemos ser “pequenos e simples”? Viva o Dia da Criança e parabéns aos pequenos e simples!
Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas.