Marco Vinício Pereira: O papel social da lorota
Você, por certo, já escutou alguma lorota de pescador, muitos têm fama de loroteiro, mas neste quesito, o pescador já possui inegável reputação. Pois para mim, caro leitor, o contador de lorotas tem um importante papel social, qual seja, o de interromper as narrativas cansadas e repetitivas e assim o faz quando insere uma experiência […]
Você, por certo, já escutou alguma lorota de pescador, muitos têm fama de loroteiro, mas neste quesito, o pescador já possui inegável reputação. Pois para mim, caro leitor, o contador de lorotas tem um importante papel social, qual seja, o de interromper as narrativas cansadas e repetitivas e assim o faz quando insere uma experiência sua ou de algum conhecido, uma experiência, quase sempre, SEM TESTEMUNHAS.
É claro que a lorota, que aqui explano, não é aquela da trapaça, da maldade e desvio de caráter, quando indivíduo mente pra levar vantagem ou fazer os outros de bobo. Essa é ruim e danosa. A lorota que aqui ilustro é bem outra. Um dos expoentes desta linha é o seu José, foi nosso vizinho lá no interior, no Faxinal em Canguçu.
Uma figura que tinha tanta história duvidosa, que quando me contaram da sua morte, eu nem titubeie, pensei que fosse uma delas, pois não era. Foi-se o homem, mas ficaram suas lorotas afeitando minha imaginação, tal como os quadros de um pintor já falecido enfeitam paredes alvas.
Em outras ocasiões, quando servi ao Exército, lembro-me que nas marchas, algumas longas e exaustivas, sempre apareciam os contadores de lorota, e não eram poucos. Naquelas ocasiões eles tinham o singular papel de “fazer a marcha andar”. Sem as lorotas, nosso pensamento estaria fixo na distância, no que ainda faltava andar, na dor nos pés, no peso da mochila — e isso amigo —cansa tanto ou mais que a própria caminhada.
Também recordo dos meus dias de infância e adolescência no interior de Canguçu. Por lá, sempre havia indivíduos, digamos que “criativos”. Um jurava que vira um assombro, outro dizia que tinha pegado peixe grande em lagoa que só tinha sapo, e dos pequenos. Lorotas que faziam rir quem ouvisse, e rir amigo, não são pouca coisa.
Recordo que em muitas ocasiões, em épocas de seca principalmente, os assuntos eram magros, murchos como a paisagem das coxilhas depois dos longos dias sem chuva. Sentado na sombra de uma macieira, meu pai recebia aqueles amigos que vinham passando, mas que chegavam pra tomar um mate. Sempre tinha algum que trazia nos bolsos fundos da bombacha alguma proeza, coisa sua ou de outras gentes doutros recantos.
Os loroteiros são homens ou mulheres que habitam os rincões, cuja característica mais formidável, é a imaginação que salta de galho em galho que nem bugio. Imaginação que desconhece o cabresto ao qual a nossa a muito se sujeitou. As relações humanas são dinâmicas, nessa dinâmica a lorota possui sua serventia. Ela serve para lubrificar as engrenagens velhas e cansadas da civilização, que assim seguem seu giro no compasso do tempo.
SOBRE O AUTOR
O autor do texto, Marco Vinício Pereira do Espírito santo, é natural de Canguçu, fez graduação em Filosofia, História e depois um mestrado em Filosofia. Hoje faz graduação em Psicologia, pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel).