Canguçu, quarta-feira, 6 de novembro de 2024
Menu

Governo quer devolver ICMS para 1,1 milhão de famílias de baixa renda; saiba como vai funcionar

Na tentativa de tornar mais justo o sistema tributário estadual, o governo Eduardo Leite propõe a devolução de ICMS para 1,1 milhão de famílias de baixa renda no Rio Grande do Sul — 30% do total. Inédita no Brasil, a iniciativa é defendida no Palácio Piratini como forma de corrigir o efeito regressivo do imposto (ou […]


Na tentativa de tornar mais justo o sistema tributário estadual, o governo Eduardo Leite propõe a devolução de ICMS para 1,1 milhão de famílias de baixa renda no Rio Grande do Sul — 30% do total. Inédita no Brasil, a iniciativa é defendida no Palácio Piratini como forma de corrigir o efeito regressivo do imposto (ou seja, que onera mais quem ganha menos), mas será preciso convencer os críticos de que a operação é viável e de que não se traduzirá em ônus aos demais contribuintes e a setores estratégicos.

 

Se a proposta for aprovada como está na reforma tributária, o governo planeja iniciar a restituição em 2021, começando por famílias com até um salário mínimo e ampliando o alcance de modo gradativo até 2023. A reposição terá valor fixo mínimo de R$ 30 mensais e poderá ser ampliada de acordo com o consumo, com limites pré-estabelecidos (veja os detalhes abaixo).

 

Em 2021, a Secretaria da Fazenda estima devolver R$ 150 milhões aos mais pobres — a título de comparação, o Estado arrecadou R$ 36,5 bilhões em ICMS em 2019. A meta, até 2023, é triplicar o valor revertido, atingindo núcleos familiares de até três salários mínimos.

Para bancar o ressarcimento, o governo pretende criar o Fundo Devolve ICMS, que será alimentado com contribuições de setores contemplados por benefícios fiscais. O principal deles deve ser o agronegócio, o que preocupa representantes do segmento.

 

— A reforma é necessária e a ideia da devolução de ICMS a partir da criação de um fundo é positiva. Está em linha com a literatura e segue as melhores práticas internacionais. A questão é como isso será financiado. A conta não pode pesar sobre um setor, e nós já avisamos o governador de que vamos propor alterações — afirma Antônio da Luz, economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado (Farsul).

 

Há dúvidas, ainda, sobre outros dois aspectos: 1) como as classes média e alta vão reagir à proposta, e 2) como será a operacionalização da medida. Além de envolver grande número de pessoas, há o risco de fraudes, como se viu no caso do auxílio emergencial, pago pela União.

— A Receita Estadual já trabalha com menos da metade do contingente de pessoal. É praticamente impossível levar adiante algo assim sem estrutura adequada. Além disso, a proposta beneficia apenas um estrato social. Talvez fosse melhor, nesse momento, concentrar a reforma na simplificação e modernização do sistema — pondera Marcelo Ramos de Mello, presidente da Associação dos Auditores Fiscais da Receita Estadual do Rio Grande do Sul (Afisvec), que reivindica a nomeação de 150 profissionais na área.

Secretário da Fazenda no governo Yeda Crusius, Aod Cunha discorda das ressalvas. O economista considera “justo pensar no alívio dessas famílias” e, embora reconheça as dificuldades de implantação, avalia que não há empecilhos à mudança.

 

— Isso não deve ser colocado como um obstáculo intransponível. A gestão pública precisa se debruçar sobre o tema. Também diziam que era impossível fazer o Bolsa Família e o programa foi implementado — destaca Aod.

 

À frente da Receita Estadual, Ricardo Neves Pereira garante que, no conjunto de ações previstas, haverá “redução da carga tributária para todas as famílias”. Ele também afirma que os setores chamados a colaborar com o fundo serão compensados de outras maneiras.

 

— O que estamos propondo é o melhor caminho dentro do que era possível fazer. A carga tributária é redistribuída com pequena contribuição dos vários segmentos. E, no caso do setor produtivo, a contribuição voltará na forma de investimentos em infraestrutura agropecuária, inovação e em consumo. Projetamos vários cenários e esse é o que tem o menor impacto na sociedade, com elementos que estimulam a economia e recolocam o Rio Grande do Sul no patamar de competitividade esperado há anos — diz Pereira.

Como vai funcionar

  • A iniciativa consiste em devolver ICMS a famílias com menor renda (até três salários mínimos).
  • Elas precisam estar no Cadastro Único (do governo federal) e registradas no programa Nota Fiscal Gaúcha.
  • Receberão restituição mensal com valor fixo mínimo de 15% a 40% do ICMS pago (pelo menos R$ 30). Quanto menor a renda, maior será o ressarcimento.
  • O valor poderá ser ampliado até determinado teto, conforme o consumo da família, a partir do controle das notas fiscais eletrônicas por CPF (o que deverá, também, ajudar a inibir a sonegação).
  • O dinheiro será depositado mensalmente em conta específica, nos mesmos moldes do Bolsa Família, para o titular do cadastro.
  • A intenção é de que a medida seja adotada gradativamente até 2023, começando pelas famílias com até um salário mínimo em 2021.

Exemplo

Família com renda de até um salário mínimo regional (R$ 1.237,15)

  • Nesse caso, o governo do Estado estipula a devolução mínima de 40% do ICMS pago.
  • Em média, segundo estimativa da Secretaria da Fazenda, o ICMS pago representa, nessa faixa de renda, R$ 153,65 por mês.
  • Portanto, a família estaria apta a receber a devolução de R$ 61,46 mensais.
  • Desses R$ 61,46, R$ 30 seriam fixos, ou seja: seriam devolvidos independentemente do volume de notas fiscais eletrônicas geradas pela família.
  • Quanto aos outros R$ 31,46, a restituição dependeria do volume efetivo de compras realizadas com notas fiscais eletrônicas registradas no programa Nota Fiscal Gaúcha.

Devoluções totais previstas por ano

  • 2021: R$ 150 milhões (para 333 mil famílias de até um salário mínimo)
  • 2022: R$ 300 milhões (para 533,3 mil famílias de até um salário mínimo)
  • 2023: R$ 450 milhões (para 1,1 milhão de famílias de até três salários mínimos)

Como será o financiamento

  • Para financiar a devolução de ICMS a famílias de baixa renda, o governo propõe a criação do Fundo Devolve-ICMS.
  • Esse fundo será formado com recursos proporcionais a benefícios fiscais concedidos pelo Estado. Ou seja: setores beneficiados terão de contribuir.
  • Aqueles que têm créditos presumidos não contratuais serão chamados a repassar 10% sobre o valor do benefício.
  • O mesmo valerá para isentos de ICMS nas saídas de insumos agropecuários.
  • Além de financiar a política de devolução de ICMS, a intenção é de que o fundo seja usado para investimentos em infraestrutura agropecuária e inovação e para atenuar a crise financeira do Estado.

Como será a contribuição

Créditos presumidos não contratuais

São aqueles que não estão vinculados a nenhum contrato ou acordo de investimento realizado para a atração de empreendimentos. Geralmente, são aplicados para todo um setor, e não para uma empresa específica.

Nesses casos, a arrecadação para o fundo levará em conta se os setores foram impactados pela pandemia e se terão redução de algum outro benefício fiscal ou elevação de alíquota.

Os produtos que não foram impactados e que não terão aumento de carga fiscal na reforma tributária passarão a contribuir para o fundo já em 2021. Esses produtos respondem por 30% dos benefícios concedidos. Exemplos: biodiesel, queijos e leite em pó.

Por outro lado, os produtos que foram impactados e que terão aumento de carga fiscal passarão a contribuir para o fundo apenas em 2023. Esses são responsáveis por 5% dos benefícios concedidos. Exemplos: embutidos, carnes industrializadas e conservas.

Os demais, que representam 65% do total, passam a contribuir em 2022. Exemplos: calçados, vestuário e vinho.

 

Insumos agropecuários

A outra fonte para a formação do fundo é a contribuição de 10% do valor das isenções concedidas aos insumos agropecuários.

A partir de 2021, agrotóxicos, fertilizantes e demais insumos passarão a contribuir. O incremento de arrecadação no ano será de R$ 667 milhões brutos, com parte dos recursos retornando para investimentos no setor e impacto máximo no custo de produção de 1,23% em itens como arroz, soja, milho e trigo, segundo o governo.

Distribuição do fundo

Até 2023, os aportes máximos ao fundo deverão ser de R$ 900 milhões. Desse total, até R$ 450 milhões serão devolvidos a famílias de baixa renda em 2023.

O fundo também servirá para aportes de até R$ 134 milhões em 2023, voltados a investimentos em setores estratégicos (infraestrutura agropecuária e inovação), auxiliando, também, o Tesouro a compensar medidas de redução de arrecadação.

Até 12% dos recursos será destinado a projetos de infraestrutura para a agricultura e outros 3% para projetos de inovação.

Fonte: GaúchaZH