Canguçu, sábado, 23 de novembro de 2024
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[Voz Canguçuense] Alexsandra Soares Domingues: artigo sobre a inclusão de pessoas com deficiência nas empresas de Canguçu

A INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA EM EMPRESAS: FOCO EM PROGRAMAS DE TREINAMENTO E DESENVOLVIMENTO Autora: Alexsandra Soares Domingues Orientadora: Dr. Caroline Casali RESUMO: Investir em diversidade significa também a busca de oportunidades iguais com respeito e dignidade para todos. O presente artigo apresenta uma análise da percepção de pessoas com deficiência sobre seu ingresso, […]


A INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA EM EMPRESAS: FOCO EM PROGRAMAS DE TREINAMENTO E DESENVOLVIMENTO

Autora: Alexsandra Soares Domingues

Orientadora: Dr. Caroline Casali

RESUMO: Investir em diversidade significa também a busca de oportunidades iguais com respeito e dignidade para todos. O presente artigo apresenta uma análise da percepção de pessoas com deficiência sobre seu ingresso, treinamento e desenvolvimento em empresas localizadas na cidade de Canguçu, Rio Grande do Sul, visando compreender a maneira como ocorre, ou não, a inclusão dessas pessoas nessas organizações. Trata-se de uma pesquisa qualitativa e descritiva, realizada por meio de entrevistas semiestruturadas, com pessoas que possuem algum tipo de deficiência e que trabalham na cidade de Canguçu. Os resultados demonstram que, apesar de existirem leis que promovam o ingresso de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, na maioria dos relatos analisados, não são oferecidas ações de treinamento e desenvolvimento, assim como também não há adaptação para que o ambiente de trabalho se torne totalmente acessível para essas pessoas.

Palavras-chave: Pessoas com deficiência; Inclusão; Treinamento; Desenvolvimento.

1 INTRODUÇÃO

Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 2015), existem mais de 45 milhões de pessoas com deficiência no Brasil, sendo 11 milhões delas aptas para o trabalho, mas apesar desses números, apenas 325.291 pessoas com deficiência estão contratadas. O espaço conquistado pelas pessoas com deficiência se deve, em grande parte, à Lei Nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que diz que “a empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência”.

O órgão responsável pela fiscalização do cumprimento da lei de cotas é o Ministério do Trabalho e Emprego e essa inspeção é realizada por servidores integrantes na carreira de auditor-fiscal do trabalho, que têm a importante missão de identificar e autuar empresas que ainda não se adequaram à lei. Segundo o Ministério da Economia, no ano de 2018, foram realizadas 11,4 mil inspeções em empresas por todo o país, e após a realização dessas inspeções, detectou-se um crescimento no número de contratações de pessoas com deficiência, reforçando a importância dessa inspeção e verificação dos órgãos responsáveis no que diz respeito ao cumprimento da lei pelas empresas.

Embora o ingresso de pessoas com deficiência no mercado de trabalho tenha crescido, é necessário avaliar em que medida acontece o treinamento e o desenvolvimento, para que ocorra a inclusão efetiva dessas pessoas na instituição. Quando uma empresa contrata uma pessoa com deficiência (PcD), ela deve ter sua estrutura adaptada às necessidades da pessoa em questão, tanto quanto deve ter métodos de inclusão próprios. É preciso pensar possibilidades de desenvolvimento e ascensão de PcDs e buscar métodos eficazes para qualificá-las e gerir suas potencialidades.

Nesse sentido, este artigo buscou responder a seguinte questão: como acontece, a inclusão de pessoas com deficiência em empresas da cidade de Canguçu, Rio Grande do Sul. O artigo tem como objetivo geral analisar a percepção que essas pessoas com deficiência possuem quanto a sua inclusão nas empresas localizadas na cidade de Canguçu, visando compreender a maneira como ocorre, ou não, a questão da inclusão nessas organizações.

Entende-se que a inclusão abrange bem mais do que apenas a contratação; é necessário que se tenha um olhar sensível no que diz respeito às necessidades da PcD contratada, tanto em seu treinamento quanto em seu desenvolvimento. As empresas, muitas vezes, necessitam realizar mudanças para que a pessoa com deficiência possa se desenvolver mesmo diante de suas limitações. Pensar além da contratação, permite a ampliação da visão sobre o que realmente é necessário que seja alterado, ou que seja acrescentado na empresa, para que o treinamento e o desenvolvimento sejam realizados de maneira adequada e sem que ocorra exclusão.

A contribuição desta pesquisa se dá no sentido de acrescentar elementos à problematização do que é inclusão e de como ela se efetiva nas organizações – especialmente em relação à pessoa com deficiência e ao que diz respeito à Lei nº8213.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO

O Brasil tem, em sua constituição, leis que amparam e buscam a inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho.

 

Caracterizam-se por Pessoas com Deficiências todas aquelas que possuem algum tipo de limitação, ou incapacidade, para o desenvolvimento de atividades. Deficiência “é toda restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade funcional de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária” (BRASIL, 2005, p. 11).

A constituição federal de 1988 já determinava em seu artigo 7º, inciso XXXI, “proibição à discriminação no tocante a salário ou critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”. (BRASIL, 1988). Como complemento, a lei 8.213/91, conhecida como lei das cotas para deficientes, conseguiu aumentar a participação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Porém, há uma grande diferença entre inserir e incluir no ambiente de trabalho uma pessoa com deficiência, e muitas empresas visam apenas cumprir a lei, oportunizando o ingresso dessas pessoas no quadro de funcionários, sem considerá-las em programas de desenvolvimento. No Brasil, não há uma fiscalização efetiva quanto a adaptação das empresas e acessibilidade, para que as pessoas com deficiência sejam recebidas de forma adequada, é necessário treiná-las e oportunizar o seu desenvolvimento, tal como acontece com demais funcionários.

Para Ribas (2003) “as empresas devem superar a preocupação de contratar PcDs por cumprimento de uma lei, e devem começar a criar ações e estratégias de modo a inserirem e manterem essas pessoas dentro do mercado de trabalho”. Inserir é apenas o processo de ajustar a pessoa a um meio, e deixar que ela se integre ao ambiente e suas rotinas por si própria. Contratar uma pessoa, nada mais é que lhe dar um aval para que ela possa realizar as tarefas que lhe serão destinadas. Ribeiro e Carneiro (2009) concluíram, após observações em empresas, que as mesmas procuram contratar pessoas com deficiência que não exijam uma grande mudança no que diz respeito à acessibilidade ou preparação para recebê-las no seu quadro de funcionários.

Por outro lado, no mercado de trabalho, incluir é compartilhar conhecimentos, incentivar nas tarefas, propor qualificação e, além disso, buscar desenvolver continuamente a pessoa enquanto ela estiver ligada à organização. Gil (2002, p. 9) enfatiza a importância de que as empresas ofereçam ambientes de trabalho onde a pessoa com deficiência possa se comunicar com todos sem dificuldades ou limitações. A inclusão de pessoas com deficiência vai muito além do simples ato de contratar; devem ser oferecidas condições para que a mesma se desenvolva e cumpra suas funções sem barreiras ou impedimentos.

2.2 TREINAMENTO E DESENVOLVIMENTO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Podemos afirmar que, para a empresa e para o colaborador, o treinamento faz toda diferença. Chiavenato (2009) conceitua o treinamento como um processo educacional, de curto prazo, aplicado de maneira sistemática e organizada.

 

[…] Treinamento é a educação, institucionalizada ou não, que visa adaptar a pessoa para o exercício de determinada função ou para execução de tarefa específica, em determinada organização. Seus objetivos são mais restritos e imediatos, visando dar à pessoa os elementos essenciais para o exercício de um presente cargo, preparando-a adequadamente. (CHIAVENATO, 2009, p. 41)

 

O autor também considera o treinamento como uma potente arma no auxílio para o crescimento posterior e para o benefício da empresa que o oferece, tendo em vista que a aplicação do conhecimento adquirido no treinamento é aproveitada na própria instituição.

O treinamento deve ser uma etapa do desenvolvimento. Segundo Pacheco et al (2005, p. 3), “o processo de desenvolvimento de pessoas inclui treinamento e vai além; compreende o autodesenvolvimento, processo esse que é intrínseco a cada indivíduo […]”. Chiavenato (2015, p.39), complementa que “[…] desenvolvimento profissional é a educação que visa ampliar, desenvolver e aperfeiçoar a pessoa para seu crescimento profissional em determinada carreira na organização ou para que se torne mais eficiente e produtivo em seu cargo”.

A questão do desenvolvimento das pessoas na organização moderna é fundamental para a manutenção e\ou ampliação de seu diferencial competitivo […] as organizações estão percebendo a necessidade de estimular e apoiar o contínuo desenvolvimento das pessoas, como forma de manter suas vantagens competitivas.  (DUTRA, 2009, p. 101).

Por outro lado, muitas organizações optam por contratar apenas funcionários já qualificados, visando poupar tempo e dinheiro da empresa em relação à aplicação de programas de desenvolvimento. Além desse fator, muitas pessoas com deficiência são contratadas simplesmente para o cumprimento de uma lei. De acordo com a lei 13146/15 artigo 34, parágrafo 4 º,

 

As pessoas com deficiência têm direito a participação e ao acesso a curso, treinamentos, educação continuada, planos de carreira, promoções, bonificações e incentivos profissionais oferecidos pelo empregador, em igualdade de oportunidade (BRASIL, 2015, p.21).

 

Contudo, a adaptação da organização quanto às necessidades da pessoa com deficiência geralmente não acontece, e quando há um programa de desenvolvimento o mesmo pode não ser acessível ou estar disponível para esta pessoa.

 

O fato de o treinamento ser igual para todos os funcionários (com e sem deficiência) trouxe dificuldades para as PcDs que relataram, por exemplo, que a falta de intérprete, foi um impedimento para o melhor aproveitamento das ações de T&D. Cabe ressaltar que o argumento dos gestores para a realização de um treinamento único para trabalhadores com e sem deficiência era de promover uma política de iguais oportunidades, o que para as PcDs não é visto como vantajoso, já que não há uma adaptação às suas necessidades. (DELGADO; GOULART, 2011, p. 39).

 

Um gestor, quando recebe uma pessoa com deficiência, enfrenta o desafio de desenvolver as competências que permitem o sucesso da inclusão, uma vez que a ordem dos manuais corporativos não garante o desenvolvimento das aptidões necessárias para ser bem-sucedido como agente do processo inclusivo. Quando se fala em inclusão, portanto, treinamento e desenvolvimento são essenciais. Investir em diversidade significa também a busca de oportunidades iguais com respeito e dignidade para todos.

 

Para as PcDs, o desafio é adequar suas estratégias de desenvolvimento profissional às necessidades do mercado de trabalho, às expectativas da organização e ao seu perfil. Elas consideram fundamental participar de treinamentos e cursos, como também a paciência e a interação, pois são fatores que facilitam a inserção no mercado e aumentam a probabilidade de futuras promoções no trabalho. Em contrapartida, reconhecem a importância de a própria PcD investir em tempo e esforço. (DELGADO; GOULART, 2011, p. 52).

 

Gestores e profissionais de recursos humanos, e também da área de segurança do trabalho, devem buscar estudos e métodos que os auxilie na hora de treinar e desenvolver uma pessoa com deficiência. Eles devem criar formas de inclusão para que não ocorra diferença para a PcD em relação aos outros colaboradores. Para isso, entender a percepção de pessoas com deficiência sobre o processo de inclusão nas empresas é essencial.

3 METODOLOGIA

O artigo tem como seu objetivo central analisar a percepção de pessoas com deficiência sobre inclusão em empresas localizadas na cidade de Canguçu, Rio Grande do Sul. Para isso, este foi desenvolvido com base em pesquisa qualitativa, descritiva, com técnica de entrevista semiestruturada.

Optou-se por realizar uma pesquisa qualitativa que, segundo Gil (1999), permite um maior envolvimento entre pesquisador e pesquisado. Optou-se também pela adoção do método descritivo, que tem como objetivo primordial “a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis” (GIL, 2018, p. 47). A técnica de pesquisa escolhida foi a realização de entrevista semiestruturada.

Nos levantamentos que se valem da entrevista como técnica de coleta de dados, esta assume forma mais ou menos estruturada. Mesmo que as respostas possíveis não sejam fixadas anteriormente o entrevistador guia-se por algum tipo de roteiro, que pode ser memorizado ou registrado em folhas próprias. (GIL, 2002, p. 117)

O roteiro de perguntas foi segmentado em cinco áreas: caracterização do entrevistado, seleção, treinamento, desenvolvimento e ambiente de trabalho.

A coleta de dados foi realizada na cidade de Canguçu, localizada no sul do Rio Grande do Sul, cidade que está com população de 55.801 habitantes, segundo o último censo realizado pelo IBGE no ano de 2015. Buscou-se então informações sobre pessoas com deficiência que estavam trabalhando em Canguçu na empresa responsável por contratações na cidade já descrita, porém, não foi possível obter nem uma informação sobre os respondentes. O fato da cidade onde foi realizada a pesquisa ser pequena foi um facilitador no que diz respeito a identificação de pessoas com deficiência que trabalham na mesma, entrando em contato com cada um dos respondentes de maneira individual explicando sobre a pesquisa e marcando a entrevista na casa dos respondentes. Foram entrevistadas cinco pessoas com deficiência do conhecimento da autora, que estão trabalhando na cidade descrita, sem requisitos de similaridade de idade, gênero ou cargo. Em razão de Canguçu ser uma cidade pequena, a seleção dos entrevistados se deu por amostra intencional. Todas as pessoas com deficiência empregadas no comércio local, e de conhecimento da autora, foram convidadas a participar da pesquisa.

As entrevistas se deram de maneira individual, no período entre 30 de abril e 04 de maio de 2019, em locais previamente acordados com os entrevistados e diferentes de seus ambientes de trabalho. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas, e os resultados foram analisados a partir da busca de regularidades nas respostas dos entrevistados.

Após a realização da entrevista e transcrição dos dados obtidos foram analisadas as respostas e separadas em três tópicos, possesso seletivo para pessoas com deficiência, treinamento e desenvolvimento de pessoas com deficiência e ambiente de trabalho para pessoas com deficiência bem como foi criada uma tabela de caracterização para os entrevistados, é importante ressaltar que na tabela não consta a deficiência dos respondentes por uma questão de proteção ao mesmo, entendendo que a cidade é pequena e ficaria fácil de se identificar os entrevistados com esses dados expostos.

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Primeiramente, deve ser considerado que as opiniões e inferências dos entrevistados dizem respeito às suas percepções da realidade, não podendo, portanto, serem generalizadas para todo o universo das pessoas com deficiência. Como afirmam Akerlind (2005) e Marton (1986), o mesmo fenômeno pode ter interpretações e entendimentos diferentes das mesmas pessoas em tempos e situações distintas.

Os entrevistados estão caracterizados na Tabela 1, que apresenta o cargo para o qual foram contratados, a função que executam na empresa e o tempo de serviço possuem na empresa em que atuam.

 

 

 

TABELA 1 – CARACTERIZAÇÃO DOS ENTREVISTADOS

Entrevistado Cargo Função Tempo de empresa
Entrevistado 1 Auxiliar de loja Vendas 2 anos
Entrevistada 2 Auxiliar de loja Todas as áreas 10 anos
Entrevistada 3 Auxiliar de loja Auxiliar de loja 3 anos
Entrevistada 4 Auxiliar de vendas e tecnologia Todas as áreas 6 meses
Entrevistada 5 Auxiliar de loja Todas as áreas 1 ano
Fonte: dados da pesquisa, 2019    

 

Todos os entrevistados trabalham em empresas de rede, ou seja, com obrigatoriedade de contratação de pessoas com deficiência para cumprimento da lei 8.213.

 

 

4.1 PROCESSO SELETIVO PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Todos os respondentes afirmaram que eram os únicos na seleção de que participaram. Também afirmaram que não houveram mais candidatos, que ficaram sabendo sobre a vaga por terceiros, e que foram contratados facilmente. A entrevistada 5, ao ser questionada sobre quantas pessoas haviam na seleção, respondeu “era só eu para a vaga, porque em Canguçu é muito difícil achar pessoas com deficiência que se adaptem a fazer tudo, que possa ser um curinga na empresa”.

A ausência de outros candidatos no processo seletivo, permite inferir que sobram vagas para pessoas com deficiência no mercado de trabalho de cidades pequenas como Canguçu. Demonstra que a Lei Nº 8.213, de 24 de julho de 1991, diz que “ a empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência”, garante as vagas no mercado de trabalho, mas não necessariamente a inserção das pessoas com deficiência no mesmo. Quando questionada sobre como foi o processo de seleção, a entrevistada 5 respondeu:

 

foi um “boca a boca”, foi uma amiga que trabalhava na empresa que falou com o gestor que precisava urgente de uma pessoa com deficiência para ajudar na inauguração da filial que iria inaugurar, e dali em diante eu dei o ok para ela, que eu queria, foi falado com o coordenador, o coordenador veio até mim fez a entrevista de boca também, sem currículo sem nada, só pela confiança na palavra de que eu era uma boa pessoa. (ENTREVISTADA 5, transcrição).

 

A preocupação das empresas quanto ao cumprimento da lei de cotas, faz com que, ao contratar um deficiente, o objetivo central da empresa não seja necessariamente a inclusão, mas sim a obediência à lei. De acordo com Sassaki (2006), a inclusão se dá quando a empresa não se preocupa somente com o cumprimento de leis, mas quando entende que a contratação da PcD produziria benefícios para seus colaboradores, para o deficiente contratado, e para si própria, beneficiando assim a todos.

Também importa entender a maneira como os processos seletivos para pessoas com deficiência têm acontecido. A entrevistada 2 afirma:

 

eles me deixaram trinta dias fazendo várias coisas para ver o que eu fazia bem, mas eu me superei, fiz tudo bem feito, e eles acharam que eu tinha condições de assumir meu cargo, mas nos trinta dias eles ficaram me observando, me mandavam aqui e ali para ver, e nesse período na verdade eu fazia coisas que eu não poderia fazer por conta da minha deficiência, eu subia escada, eu limpava coisas nas escadas e eu não posso fazer justamente por conta do meu “defeito”, mas eu fiz de tudo. (ENTREVISTADA 2, Transcrição).

 

Para a entrevistada 2, houveram abusos em relação ao processo seletivo e na adaptação na empresa. Ao ser questionada sobre a existência de etapas no processo seletivo, ela respondeu:

 

eu cheguei e não sabia fazer nada me senti rejeitada na empresa, porque parece que ninguém queria me aceitar e que eu não tinha nada a ver com aquele lugar, eles diziam que ali não era meu lugar, uma vez uma colega chegou para mim e até hoje eu tenho esta magoa e disse que ali não era meu lugar que meu lugar era trabalhando como doméstica, e que lá não teria nada que eu pudesse fazer. Aquilo me arrasava, eu ia para um lugar e a colega dizia que ali era o setor dela que não era para eu entrar ia para outro e a outra colega dizia a mesma coisa então quando eu entrei me senti rejeitada, eu não desisti da vaga porque eu já tinha assinado o contrato se não teria desistido porque eu fui totalmente rejeitada, então eu não fui bem aceita na empresa quando eu entrei. As pessoas sempre dizia que era brincadeira que estavam brincando comigo para disfarçar, mas eu fui rejeitada totalmente, e eu me sentia um lixo, pensava que se não era o meu lugar eu deveria ir embora, e eu só não sair por já ter assinado o contrato. (ENTREVISTADA 2, Transcrição).

 

Importa observar que, para serem designadas ao cargo, as pessoas com deficiência não são avaliadas em relação a suas limitações e potencialidades. Quando questionada sobre como foi designada para o cargo que ocupa, e se tinha passado por algum teste de aptidão ou competência, a entrevistada 5 responde: “não, na verdade essa área de auxiliar de loja que é designada para a PcD, têm os seus pontos específicos, então o coordenador ou o gestor só chegam e te dizem: tu vai fazer isso e isso, desta forma e ponto”.

Dos cinco entrevistados, apenas um trabalha na área para a qual foi contratado. No comércio, as pessoas com deficiência são previamente alocadas no cargo de “auxiliar de loja”, e encaminhadas para fazer o que fica acordado entre gerente e funcionário. A entrevistada 4 afirmou: “trabalho nesta vaga, e em todas as outras, eu ajudo em todos os setores, fui contratada para um setor, mas na hora da inclusão eu participo de todos, fui selecionada para a vaga de auxiliar de vendas e tecnologia.”. A entrevistada 5 esclarece:

ele não sabem muito lidar com PcD, eu digo empresários em geral, então eles te selecionam para organizar a loja, para precificar,  passar um pano, colocar no lugar os produtos que chegam, mas se eles sentem que tu é boa para ficar no caixa, para atender um cliente, se sobrar vai. (ENTREVISTADA 5, Transcrição).

 

Sobre o ingresso de pessoas com deficiência nas empresas de Canguçu, conclui-se, então, que existem vagas e contratação de PcDs. De acordo com as entrevistas, existe pressa na contratação de pessoas com deficiência para que ocorra o cumprimento da Lei. Contudo, não existe a inserção das mesmas de uma forma adequada dentro das empresas. As pessoas com deficiência não percebem a existência de uma preocupação, por parte da empresa, com a avaliação de seu potencial e de suas limitações. Na maioria das vezes, as pessoas com deficiência exercem funções em várias áreas, sem observação do cargo para o qual foram contratadas.

 

4.2 TREINAMENTO E DESENVOLVIMENTO PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

De acordo com a Lei 13146/15, artigo 34, parágrafo 4 º, as pessoas com deficiência têm direito não apenas ao ingresso nas empresas, mas também à participação, sem discriminação, em treinamentos e ações de desenvolvimento. Mas como só são designados para o cargo de auxiliar de loja, sem que sejam levadas em conta as suas limitações e competências, as pessoas com deficiência também não participam de treinamentos nas empresas, com exceção do treinamento de integração.

Quando questionada se participa dos treinamentos internos, a entrevistada 5  respondeu “não, inclusive teve um de injetáveis que eu estava com muita vontade de fazer, ficaria muito feliz se pudesse fazer, eu falei com o gestor e ele disse: “não, tu não, tu não pode fazer”, perguntei se era por conta do meu cargo de auxiliar e ele disse sim exatamente.’’ Embora não participem dos treinamentos, os entrevistados consideram que estes são importantes para os funcionários.  A entrevistada 4, por exemplo, afirma:

todo mundo é igual, independentemente de ser PcD ou não, se tem um treinamento para um tem que ter para outro, eu acho que é um direito de todo mundo participar, teve um treinamento lá na loja que eu não fui, pois disseram que eu não precisava ir, mas todo mundo foi menos eu. (ENTREVISTADA 4, Transcrição).

Quando se observa que, ao ingressar nas empresas, as pessoas com deficiência não passam por testes que avaliam suas competências, habilidades e limitações, e não são designadas ao cargo para o qual foram selecionadas, percebe-se que a falta de oportunidade em treinamentos é resultado de uma prática que pretende apenas cumprir a Lei, no sentido de apenas ter a presença de pessoas com deficiência na organização.

A entrevistada 2, a única dentre os entrevistados que passou por um treinamento, afirmou a importância daquele momento para o seu crescimento profissional. Ela diz que utiliza o conhecimento adquirido no dia a dia da empresa. Contudo, reclama que sentiu muita dificuldade em realizá-lo, porque este não estava adequado ao seu grau de escolaridade. A entrevistada 2 afirma:

sentia dificuldade para fazer os trabalhos do treinamento, porque no caso eu não tenho estudo, eu não escrevo direito, eu leio perfeitamente, mas eu não escrevo direito, e então eu não conseguia acompanhar os treinamento deles, então eu fico bem nervosa quando eles falam que vão dar treinamento. (ENTREVISTADA 2, Transcrição).

Percebe-se, assim, a importância de se adaptar o treinamento às competências e limitações da pessoa com deficiência. Também se deve levar em consideração a escolaridade desse funcionário, pois muitas vezes a pessoa com deficiência foi excluída do processo escolar, em função da deficiência ou de outros fatores sociais. É importante programar esses treinamentos, levando em consideração as necessidades dos funcionários que irão participar do mesmo, para que o mesmo seja eficiente. Chiavenato enfatiza seis principais pontos para o treinamento: “programar o treinamento significa definir 6 ingredientes básicos, quem deve ser treinado, como deve ser treinado, em que, e por quem, onde e quando, a fim de que atingir os objetivos do treinamento” (CHIAVENATO, 1999, p. 302).

Os treinamentos fazem parte de ações que levam ao desenvolvimento do profissional e, estas, estão diretamente relacionadas às oportunidades de crescimento nas organizações.  Sobre desenvolvimento, as entrevistas permitem inferir que as empresas não disponibilizam planos de carreira e oportunidades de crescimento para as pessoas com deficiência. A entrevistada 4 diz:

como PcD, no meu primeiro emprego, foi me passado que eu ficaria um ano naquele setor e depois iria ser passada para outro cargo, mas eu fiquei mais de um ano e ele não me passaram para nenhum outro cargo, não porque eu não sabia mas pelo fato de ser PcD. (ENTREVISTADA 4, Transcrição).

A entrevistada 2 também não percebe a existência das mesmas oportunidades para ela e para os demais colegas de trabalho. Ela diz que,

como a vaga é de deficiente, eu não tenho oportunidade, o deficiente não tem oportunidade lá dentro da empresa, ele só tem a vaga e nada mais, eles não me excluíram do treinamento, a gerente sempre deixou que eu ajudasse até nas vendas a gerente fez isso em caráter particular, porque se dependesse da empresa eu não teria esta oportunidade. (ENTREVISTADA 2,  Transcrição).

A percepção da entrevistada em relação à falta de oportunidades de crescimento na empresa permite inferir, mais uma vez, que as pessoas com deficiência são alocadas em qualquer função com o intuito de cumprir a Lei. Contudo, não existem oportunidades iguais para todos os funcionários. A entrevistada 4, ao ser questionada se sente necessidade de alguma ação de desenvolvimento, respondeu “sim, eu sempre quero ter mais cursos, mais experiências em todos os setores, mas isso não é disponibilizado, eles até te falam, mas na hora de mandar para cursos eles não mandam”.

As pessoas com deficiência que foram entrevistadas, percebem a importância de ações de desenvolvimento para seu crescimento pessoal e profissional. A entrevistada 5, por exemplo, acha importante que as empresas se preocupem com o desenvolvimento de seus colaboradores:

se tem uma coisa importante é tu colocar teus funcionários para cima, é tu oferecer palestras, é tu oferecer brindes é tu cuidar da autoestima deles, porque na verdade, no fim de tudo o importante não é só o cliente, o importante é o funcionário, se tu cuidar do funcionário ele vai cuidar com muito prazer da empresa, vai cuidar com muito prazer de não gastar uma folha para fazer um xerox qualquer, ele vai pensar eles estão me valorizando eles gostam do meu emprego, aqui e em muitas tu é número se tu não alcançar as metas tu está na rua, e como eu tenho deficiência eu sigo onde eles vão me jogando. (ENTREVISTADA 5, Transcrição).

De certa forma, a percepção da entrevistada 5 vai de encontro a importância conferida por Chiavenato (1999) às empresas que investem em desenvolvimento.

[…] O segredo das empresas bem-sucedidas é saber consolidar e reciclar o conhecimento entre seus funcionários, treinar e preparar e desenvolver os funcionários para que tenham condições permanentes para lidar com a mudança e com a inovação de proporcionar valor à empresa e ao cliente e, sobretudo de, mantê-la sempre eficaz e competitiva em um mundo globalizado e de forte concorrência. (CHIAVENATO 1999, p.17).

Sobre plano de carreira, as pessoas com deficiência afirmam que conhecem o plano de carreira das empresas, mas não se sentem contempladas por ele. Ao ser questionada se conhecia o plano de carreira da empresa, a entrevistada 5 respondeu: “conheço, inclusive é muito vantajoso para quem pode trocar de cargo.”, enfatizando que ela não estava contemplada nessa vantagem, porque não poderia trocar de cargo. Este tipo de situação relatada pelos respondentes vai contra a lei 13146/15, artigo 34, parágrafo 4º, que vislumbra também para a pessoa com deficiência o direito à participação e o acesso a planos de carreira, promoções e bonificações (BRASÍLIA, 2015).

Acerca de treinamento e desenvolvimento, portanto, conclui-se o quanto são desiguais as oportunidades de crescimento das pessoas com deficiência em relação aos demais funcionários das empresas. Apesar de entenderem a importância de treinamentos, e de programas de desenvolvimento, e de sentirem a necessidade de participação nessas ações, os entrevistados não têm a oportunidade realizá-los e quando participam, o que é o  caso de um dos cinco entrevistados, o treinamento não é totalmente acessível, gerando constrangimento e receio de participar nestas ações.

 

4.3 AMBIENTE DE TRABALHO PARA A PESSOA COM DEFICIÊNCIA

É importante que a empresa promova acessibilidade. Alterações simples, muitas vezes, são essenciais para que a pessoa com deficiência consiga realizar suas funções no ambiente de trabalho. O entrevistado 1, quando foi questionado se considera que a empresa esteja ofertando condições para que realize suas funções da melhor maneira possível, respondeu: “de certa forma sim, consigo, eu acho que as prateleiras deveriam ser mais baixas.”.

As pessoas portadoras de deficiência estão tão acostumadas a não ter um ambiente de trabalho acessível que, comumente, acreditam que a estrutura está adequada. Mas, ainda assim, ponderam sobre a falha na acessibilidade, como nos espaços em que estes podem circular mesmo com suas limitações, mas um cadeirante, por exemplo, não conseguiria. A respondente 4 relata:

minha deficiência é uma deficiência visual, então graças a Deus o outro olho eu enxergo perfeitamente, não tenho nenhum problema enquanto a isso, o espaço às vezes é meio apertado para se locomover por exemplo um cadeirante, mas enquanto a isso eu não tive problema nenhum. (ENTREVISTADA 4, Transcrição)

Algumas empresas realizaram adaptações de acessibilidade após a contratação de pessoas com deficiência para seu quadro de funcionários. A respondente 2 lembra que “eles fizeram um provador grande, para entrar cadeira de rodas, o pessoal reclamava muito”.

Nota-se assim que, com diálogo, é possível alertar sobre as demandas quanto a necessidade de acessibilidade, podendo refletir de forma positiva no que diz respeito as mudanças no ambiente dentro da empresa. Porém, este diálogo entre PcD e empresa, que visa apenas esclarecer o que deveria ser modificado, raramente acontece. A respondente 5 diz: “nem a empresa nem nenhum chefe me perguntou nada, a única coisa que ele se preocupava é se eu estava me sentando, se eu estava respeitando o tempo de descanso.”

Para Sassaki (2006), as mudanças devem ser realizadas por todos, tanto na sociedade quanto dentro das empresas em geral, para que o ambiente seja mais acessível, e para que as pessoas com deficiência consigam, no seu dia a dia, realizar todas as suas funções sem que encontrem barreiras.

Quando os entrevistados foram questionados sobre se sentirem incluídos pela chefia, colegas de trabalho e clientes, dois dos cinco entrevistados alegaram que se sentem incluídos, mas outros três relataram que sofreram algum tipo de exclusão por alguma das partes envolvidas. A respondente 2 relata “não me sinto incluída pela chefia em alguns casos, em função deste treinamento que eu participei eu me senti um pouco excluída, eu já fui muito excluída por meus colegas de trabalho, hoje não, mas eu já fui muito excluída.”. O entrevistado 1 relata que, algumas vezes, se sente excluído por alguns clientes: “alguns poucos ainda mexem comigo por conta da deficiência, mas são poucos.’’.

É importante salientar que, ainda no início das entrevistas, todos os cinco entrevistados foram questionados sobre o que era inclusão, três, dos cinco respondentes, não sabiam ou sentiram dificuldade em conceituá-la. A entrevistada 4 respondeu “eu não tenho uma resposta especifica para esta pergunta, eu ainda não me senti incluída como pessoa com deficiência, então não sei como te responder.’’

Duas das cinco pessoas entrevistadas relataram ter sofrido preconceito. A entrevistada 2 conta de forma muito emocionada:

isso é impossível de não acontecer dentro de uma empresa, ainda mais que são várias pessoas que trabalham juntas e pensam diferente, agem diferente, então sempre vai ter aquele preconceituoso que vai acabar te derrubando, tentando te humilhar; sempre vai ter aquele que vai se achar melhor que tu, pensar que tu é um lixo, outro dia um colega após saber que eu tinha feito um cartão de credito disse eu não consigo te imaginar com um cartão de credito, com cara de nojo como se eu fosse um lixo que não pudesse ter um cartão de credito, então sempre vai ter um que faz este tipo de coisa. (ENTREVISTADA 2, Transcrição).

Por estes motivos, a mesma entrevistada, quando foi questionada sobre ter sentido alguma dificuldade quanto adaptação na época em que ingressou na empresa, respondeu:

muita dificuldade, porque eles me excluíram, eles me integraram mas ao mesmo tempo me excluíram, eu passei anos batalhando para conseguir conquistar um lugar mais favorável na empresa, para ficar parelha como se todos fossem iguais, mas não é assim que funciona, depois de muito tempo que foi, hoje em dia não posso me queixar, hoje em dia me tratam bem como se eu fosse uma funcionaria qualquer da empresa, então hoje eles não fazem distinção, mas já passei muita dificuldade, muita exclusão. (ENTREVISTADA 2, Transcrição).

Todos os entrevistados relatam que estar empregado é muito importante, e que trabalhar mudou muita coisa em suas vidas, tanto na conquista de conhecimento sobre seus direitos quanto na vida financeira. Ao ser questionada sobre o que mudou em sua vida depois ter começado a trabalhar, a entrevistada 5 respondeu:

mudou da água para o vinho, na verdade eu não conhecia a lei, não sabia que eu tinha esse direito e fui em outra farmácia para comprar, eu conversei com uma amiga minha e ela me perguntou se eu tinha uma deficiência e eu disse que tinha e ela me falou que eles estavam precisando de pessoas com deficiência pediu para que eu fizesse meu currículo e levasse meu laudo médico que falasse da minha deficiência que a gente vai tentar te incluir, dali em diante foi só coisa boa, porque eu conheci pessoas eu conversei com muita gente eu fiz muitas amizades eu descobri que eu tenho direito a não pagar passagem que eu não sabia eu estou trinta anos na cara praticamente vou fazer em agosto e eu não sabia que eu tinha gratuidade eu vou entrar agora com um processo para gratuidade, eu não sabia que eu podia comprar um carro com desconto, eu não sabia que eu tinha direito a uma bolsa na faculdade, então tem muita coisa que só trabalhando conversando com pessoas indo e vindo que eu fui descobrir. (ENTREVISTADA 5, Transcrição)

O que esse relato deixa explicito é a falta de assistência que as pessoas com deficiências enfrentam para obter qualquer informação sobre seus direitos. O conhecimento sobre os direitos conferidos a uma pessoa é tão importante quanto a existência dos mesmos, pois só assim essas pessoas poderão fazer o uso deles, e a participação no mercado de trabalho é algo que colabora com a socialização desse conhecimento. A percepção dos respondentes sobre sua participação no mercado de trabalho vai muito além da remuneração financeira, ou do sentir-se útil, e demonstra a importância que estes dão ao fato de estarem se relacionando com a sociedade fora do âmbito familiar e acessando, assim, conhecimentos e experiências que nunca tinham vivenciado.

Ao final da entrevista, os entrevistados foram questionados se gostariam de acrescentar alguma coisa sobre inclusão ou exclusão. E todos eles acrescentaram algo de forma muito emocionada. Relataram suas vivências e necessidades diárias que, muitas vezes, não são ouvidas ou aceitas dentro das empresas. A entrevistada 2 diz:

eu gostei muito desta pergunta porque essa vaga é muito boa, mas pessoas na verdade nunca aceitam uma pessoa com deficiência, eles fingem que aceitam, mas eles debocham, eles tratam como se fossem palhaços. Quando eu entrei na empresa eu era chacota da empresa, eu era a palhaça da empresa, certa vez comentaram que bom que quando não tiver movimento temos tu para rir, eu entendi que eles queriam liquidar com minha imagem, é como se tu não valesse nada mesmo, então as empresas contratam, mas elas deveriam mudar a maneira de tratar os deficientes, porque nós temos sentimentos, nós somos humanos, como alguém trata um ser humano assim sem saber o que aquela pessoa está sentindo, sem saber o que passa no coração dela, como tu humilha alguém, como tu acha legal ver várias pessoas humilhando e dando risada de alguém, não é nem humano fazer isso. (ENTREVISTADA 2, Transcrição).

O relato da entrevistada 2 comove, principalmente pelo fato de ela precisar reafirmar sua humanidade e seu valor em relação aos demais funcionários da empresa. A desvalorização profissional da pessoa com deficiência, acarreta não somente em prejuízos psicológicos para esse funcionário, como também em prejuízos para a própria empresa, que não aproveita completamente seu potencial e assim deixa de promover integralmente a diversidade em seu ambiente. A entrevistada 4 pondera nesse sentido:

eu acho fundamental este tipo de pesquisa, fiquei feliz em poder falar, acho que todo mundo deveria falar mais deste assunto, porque a pessoa com deficiência parece ser mais uma obrigação em uma empresa não uma inclusão, não uma acessibilidade, um fundamento na empresa, uma oportunidade. (ENTREVISTADA 4, Transcrição).

Em relação à inclusão no ambiente de trabalho, conclui-se que, existe nas empresas, falta de acessibilidade física e de linguagem; também falta de diálogo na busca de atender as necessidades da pessoa com deficiência. Além disso, situações de exclusão e preconceito foram vivenciadas pelos entrevistados, que se mostraram emocionados ao relatar essas experiências. É responsabilidade também da empresa fazer a mediação entre seus funcionários, buscando construir um bom clima organizacional. Ao não fazê-lo, a empresa perde em promoção da diversidade e em produtividade, porque funcionários mais valorizados e mais preparados, certamente tem uma colaboração mais efetiva para com a organização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho fez a apresentação de seu objetivo principal, que era analisar a percepção que pessoas com deficiência possuem sobre a inclusão no mercado de trabalho da cidade de Canguçu, Rio Grande do Sul. Verificou-se, através da análise das entrevistas, que as empresas, quando possuem um número de funcionários superior a 100, estão cumprindo a lei de obrigatoriedade de contratação de pessoas com deficiência. No entanto, após a contratação, essas empresas não demonstram se importar com as experiências que serão vivenciadas pela pessoa com deficiência, deixando-a exposta a questões como: falta de acessibilidade, ausência de treinamento adequado e de possibilidade de desenvolvimento, e a falta de contemplação em planos de carreira ofertados pela empresa. Analisou-se também que as pessoas com deficiência sentem que não possuem oportunidades de crescimento em seus cargos, e que desempenham em seu dia a dia funções que não coincidem com a área para qual foram contratadas, causando exclusão e preconceito  vivenciados pelos respondentes desta pesquisa deixando evidente que é necessário se trabalhar a cerca da diversidade dentro das empresas.

É importante destacar que o dialogo sobre diversidade deve ser presente dentro das instituições e o respeito as diversidades sejam elas quais forem também devem fazer parte do dia a dia na empresa, para que situações de preconceito e exclusão como as vivenciadas pelos entrevistados desta pesquisa não se tornem rotineiras muito menos normais nestes e em todo e qualquer ambiente.

Uma das limitações encontrada no decorrer da realização desta pesquisa, foi no que diz respeito ao emocional, ao tratar sobre um tema como este que tem notória importância diária para os entrevistados, fica evidente que existe uma comoção maior por parte dos mesmos, e deve-se ter um cuidado maior para que as perguntas não sejam tendenciosas, achando um caminho para que o entrevistado se sinta a vontade para falar abertamente sobre temas que muitas vezes não são agradáveis para os mesmos.

Assim, este estudo colabora com a produção de dados que podem ser utilizados em pesquisas futuras, que visem verificar os problemas encontrados em outros locais ou segmentos de mercado.

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