Dom Jacinto Bergmann: garrafas do melhor vinho
As estórias nos podem ajudar a como viver e como agir. Elas alimentam nossa imaginação. De modo especial em tempos de crise precisamos colocar mais em ato a imaginação. Já dizia o grande Albert Stein: “Em momentos de crise só a imaginação é mais importante que o conhecimento”. A estória que segue, talvez já conhecida, […]
As estórias nos podem ajudar a como viver e como agir. Elas alimentam nossa imaginação. De modo especial em tempos de crise precisamos colocar mais em ato a imaginação. Já dizia o grande Albert Stein: “Em momentos de crise só a imaginação é mais importante que o conhecimento”.
A estória que segue, talvez já conhecida, nos ajuda a imaginar a grande lição que devemos absorver com a experiência da pandemia da COVID19. O que a nossa geração precisa aprender com ela e deve deixar como uma herança para as gerações futuras?
Eis a estória: “Na Itália, em uma aldeia das montanhas, os camponeses, durante a Idade Média, tinham o hábito de anualmente fazer da colheita uma festa. Esta festa era esperada com muita ansiedade por todos, comemorada com tudo o que tinham direito na época e comentada ao longo do ano. Para essa festa, cada morador da aldeia contribuía com uma garrafa do melhor vinho de sua fabricação, onde cada um despejava num grande barril na praça central da aldeia.
O ponto alto da festa era a abertura do barril, solenidade que atraía gente de todos os lugares que vinham degustar o famoso vinho, resultado do somatório de muitas garrafas de vinho selecionado. Certa vez, um dos moradores, que há muitos anos participava do ritual de levar sua garrafa de vinho, pensou: por que vou levar uma garrafa do meu melhor vinho? Vou levar uma garrafa de água, já que no meio de tanto vinho o meu não fará falta.
Quando chegou a vez de despejar o seu vinho, fez de forma disfarçada para que os outros não percebessem. No momento culminante da festa, na abertura do barril todos estavam lá com suas canecas, prontos para saborear o famoso vinho. Qual não foi a surpresa, na abertura da grande torneira. Dela só saia água. Eram litros e litros de água pura. Todos os moradores tinham pensado a mesma coisa: por que vou levar uma garrafa de vinho, se no meio de tanto, não fará falta?”
Não podemos mais viver e agir dessa forma: só olhar para si; não somar com os outros; não precisar ser transparente. Não há mais lugar para o egoísmo; não há mais lugar para o egocentrismo; não há mais lugar para a corrupção. A pandemia escancarou a festa das “garrafas do melhor vinho” transformadas escondidamente em “garrafas de água”. É hora de voltarmos novamente para a festa das “garrafas do melhor vinho”.
Como sairemos formados da escola da pandemia? Podemos sonhar que vamos aprender a grande lição: o somente “eu” tornar-se em “nós”; o somente “meu” tornar-se em “nosso”; a obscura corrupção tornar-se em límpida transparência. Já sabemos que somente o “eu”, somente o “meu” e somente o “escondido” estragaram tantas festas das “garrafas do melhor vinho”.
Mas nessas festas, “somente a minha garrafa foi de água”! O problema é que falta de transparência multiplicou os “eus” e os “meus”. E isso não leva à ilusão: multiplicam-se “as garrafas de água”. O momento histórico da humanidade precisa de festas das “garrafas do vinho melhor”. São festas dos “fratelli tutti”, com o “melhor vinho” de cada um!
Dom Jacinto Bergmann,
Arcebispo metropolitano da Igreja Católica de Pelotas