Dom Jacinto Bergmann: limpos diante de Deus
Pretendo iniciar o meu escrito de hoje com uma estória. Ela toca todo o meu ser cada vez que a leio e releio. A razão de lembra-la aqui, deixarei para depois de reproduzi-la. Ei-la: “Era uma vez um discípulo que perguntou ao seu mestre: – “Mestre, porque devemos ler e decorar a Bíblia se nós […]
Pretendo iniciar o meu escrito de hoje com uma estória. Ela toca todo o meu ser cada vez que a leio e releio. A razão de lembra-la aqui, deixarei para depois de reproduzi-la. Ei-la: “Era uma vez um discípulo que perguntou ao seu mestre: – “Mestre, porque devemos ler e decorar a Bíblia se nós não conseguimos memorizar tudo e com o tempo acabamos esquecendo? Somos constantemente obrigados a decorar de novo o que já esquecemos”. O mestre não respondeu imediatamente ao seu discípulo. Ele ficou pensando e olhando o horizonte por alguns minutos e depois ordenou ao discípulo: – “Pegue aquele cesto de junco, desça até o riacho, encha o cesto de água e traga-o até aqui”. O discípulo olhou para o cesto sujo e achou muito estranha a ordem do mestre, mas mesmo assim obedeceu. Pegou o cesto sujo, desceu os cem degraus da escadaria do mosteiro até o riacho, encheu o cesto de água e começou a subir de volta. Como o cesto era cheio de furos, a água foi escorrendo e quando chegou até o mestre já não estava nada. O mestre perguntou-lhe: – “Então, meu filho, o que você aprendeu?” O discípulo olhou para o cesto vazio e disse: – “Aprendi que cesto de junco não segura água”. O mestre ordenou-lhe que repetisse novamente o processo. Quando o discípulo voltou com o cesto vazio novamente, o mestre perguntou-lhe: – “Então, meu filho, e agora, o que você aprendeu?” O discípulo novamente respondeu com ironia: – “O cesto furado não segura água”. O mestre, então, continuou ordenando que o discípulo repetisse a tarefa. Depois da décima vez, o discípulo estava desesperadamente exausto de tanto descer e subir as escadarias. Porém, quando o mestre lhe perguntou de novo: – “Então, meu filho, o que você aprendeu?” O discípulo, olhando para dentro do cesto, percebeu admirado: – “O cesto está limpo! Apesar de não segurar água, a repetição constante de encher o cesto acabou por lavá-lo e deixá-lo limpo”. O mestre, por fim, concluiu: – “Não importa que você não consiga decorar todas as passagens da Bíblia que você lê, o que importa na verdade, é que através deste processo a sua cabeça e o seu coração ficam limpos diante de Deus”.
Quero com esta estória homenagear o grande homem da Bíblia, cuja memória a Liturgia da Igreja Católica celebra em cada 30 de setembro. É a memória de São Jerônimo, que motivou a Igreja Católica também tornar o dia 30 de setembro, o “Dia da Bíblia”, e o mês de setembro, o “Mês da Bíblia”.
São Jerônimo (347-420), um presbítero do século IV, é muito conhecido e apreciado por ter traduzido a Bíblia dos originais hebraico e grego para o latim. Tradução que chamamos de Vulgata. Esse nome vem de “vulgata versio”, que significa “versão de divulgação para o Povo”.
A história deixou-nos frases de São Jerônimo e elas continuam a produzir efeito em nossas vidas. São frases brotadas no suor do tempo vivido na Gruta de Belém (tive a graça de várias vezes ter estado nesta gruta ainda conservada hoje) quando ele foi traduzindo palavra por palavra, frase por frase, parágrafo por parágrafo a Bíblia para a Vulgata.
Eis cinco frases jeronimoanas, baseadas nas Sagradas Escrituras, com seu apelo de “limpeza diante de Deus” – a lição do mestre na estória acima – nestes tempos difíceis da pandemia da COVID19: “Quando rezamos falamos com Deus, quando lemos a Sagrada Escritura é Deus que nos fala” – deixemos Deus nos limpar mais; “Ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo” – libertemo-nos da ignorância da limpeza; “Quanto mais importunas e perseverantes as nossas orações, mais agradáveis a Deus” – sejamos importunos e perseverantes na oração da limpeza; “Arranja sempre alguma coisa a fazer a partir da Palavra de Deus, para que o demônio te veja sempre ocupado” – ocupemo-nos com a Palavra de Deus e o poder demoníaco da sujeira não terá vez; “Não há trabalho difícil que vem de Deus, para quem deseja realmente fazê-lo” – saibamos que dificuldade é, sim, sinônimo de limpeza e de felicidade.
Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas