Dom Jacinto Bergmann: questão de civilização
Partamos de um fato: “Uma estudante perguntou uma vez à antropóloga Margaret Mead qual considerava o primeiro sinal de civilização em uma cultura. A estudante esperava que a antropóloga falasse de anzóis, bacias de barro ou de pedras para amolar, mas não. Mead disse que o primeiro sinal de civilização numa cultura é a prova […]
Partamos de um fato: “Uma estudante perguntou uma vez à antropóloga Margaret Mead qual considerava o primeiro sinal de civilização em uma cultura. A estudante esperava que a antropóloga falasse de anzóis, bacias de barro ou de pedras para amolar, mas não. Mead disse que o primeiro sinal de civilização numa cultura é a prova de uma pessoa com um fêmur quebrado e curado. Mead explicou que no resto do reino animal, se você quebrar a perna, você morre.
Você não pode fugir do perigo, ir para o rio beber água ou caçar para se alimentar. Você se torna carne fresca para predadores. Nenhum animal sobrevive a uma perna quebrada o tempo suficiente para que o osso cure. Um fêmur quebrado que se curou é a prova de que alguém tirou tempo pra ficar com o que caiu, curou a lesão, colocou a pessoa em segurança e cuidou dela até que ela se recupere. “Ajudar alguém a passar pela dificuldade é o ponto de partida da civilização”, explicou Mead.
Podemos e devemos afirmar, apoiados também na grande antropóloga Mead: A civilização é resultado de amor-caridade; a civilização é resultado de cuidado-ajuda. Amor-caridade e cuidado-ajuda caminham juntos. Está claro que amor é cuidado: cuida-se de quem se ama; não se cuida de quem não se ama. Por isso, Deus é amor-cuidado por excelência: ninguém ama e cuida mais que Ele. Está claro também que caridade é ajuda: ajuda-se àqueles que estão nas nossas “entranhas” (expressão bíblica para caracterizar a caridade materna em extremo). Por isso Deus é caridade-ajuda por excelência: ninguém é mais caridoso e mais ajuda que Ele.
Aqui vem à lembrança o Hino ao Amor-Caridade do “apóstolo das gentes” deixado escrito à comunidade cristã de Corinto. Encontra-se na 1ª Carta aos Coríntios, capítulo 13. Esse Hino torna-se tão atual, especial e necessariamente, neste tempo de pandemia A civilização teve que reaprender o amor-caridade e o cuidado-ajuda. A civilização teve que olhar novamente para Deus como Amor-Caridade e como Cuidado-Ajuda por excelência. Significa, sem exagero nenhum, uma questão de sobrevivência da civilização.
Ouso parafrasear esse Hino ao Amor-Caridade, ligando o binômio “amor-caridade” ao binômio “cuidado-ajuda”:
“Se eu falar a língua dos homens, e a dos anjos, mas não tiver amor-caridade e cuidado-ajuda – amor que cuida e caridade que ajuda, eu serei como bronze que soa ou um címbalo que retine”.
“Se eu tiver o dom da profecia, se eu tiver todos os mistérios e toda a ciência; se tiver toda a fé, a ponto de remover montanhas, se não tiver amor-caridade e cuidado-ajuda – amor que cuida e caridade que ajuda, eu não sou nada”.
“Se eu gastar todos os meus bens no sustento dos pobres e até entregar meu corpo para me gloriar, mas não tiver amor-caridade e cuidado-ajuda – amor que cuida e caridade que ajuda, de nada me aproveitará”.
“O amor-caridade e o cuidado-ajuda – o amor que cuida e a caridade que ajuda, são magnânimos, são benfazejos”.
“O amor-caridade e o cuidado-ajuda – o amor que cuida e a caridade que ajuda, não são invejosos, não são presunçosos, nem arrogantes; não fazem nada de vergonhoso, não são interesseiros, não se encolerizam, não levam em conta o mal sofrido; não se alegram com a injustiça, mas se regozijam com a verdade”.
“O amor-caridade e o cuidado-ajuda – o amor que cuida e a caridade que ajuda, tudo sofrem, tudo creem, tudo esperam, tudo suportam”.
“O amor-caridade com seu cuidado-ajuda jamais acabarão”.
Por isso tudo, amor-caridade e cuidado-ajuda: é uma questão de civilização.
Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas