Dom Jacinto Bergmann: amar a vida, eis a questão
Nesta pandemia que estamos, talvez, o que mais ficou sensível para todos foi a realidade da vida. Diariamente foram e são apresentados pela mídia números de vidas humanas infectadas e falecidas. A pandemia foi e está sendo uma ameaça à vida. Tenho rezado nesse contexto, de maneira mais intensa, o mandamento máximo da fé […]
Nesta pandemia que estamos, talvez, o que mais ficou sensível para todos foi a realidade da vida. Diariamente foram e são apresentados pela mídia números de vidas humanas infectadas e falecidas. A pandemia foi e está sendo uma ameaça à vida.
Tenho rezado nesse contexto, de maneira mais intensa, o mandamento máximo da fé cristã, o mandamento do amor. Ele aparece várias vezes de forma explícita nos Evangelhos.
Especificamente, no Evangelho de Lucas, capítulo 25, ele aparece assim contextuado: “Um doutor da Lei se levantou e, para experimentar Jesus, perguntou: ‘Mestre, que devo fazer para herdar a vida eterna?’”
A partir desta questão levantada e do diálogo que se trava entre Jesus e o doutor da Lei, encontramos as quatro dimensões da vida humana: ela é divina, ela é pessoal, ela é social, ela é ambiental. Portanto, as quatro dimensões da vida humana, presentes no mandamento do amor, devem ser amadas.
A humanidade não pode mais esquivar-se desse mandamento do amor. Vivendo-o, participa do autor, sentido e plenitude da vida, o Filho de Deus, Jesus de Nazaré, que veio para que todos “tenham “vida e vida em abundância”.
Quando, como Lucas o apresente, o mandamento cristão do amor inicia: “Amarás o Senhor, teu Deus”, aparece, claramente, a dimensão da vida divina, que deve ser amada. Trata-se da dimensão transcendental de nossa vida. A pessoa humana não é mero ser vivente, é mais, é “imagem e semelhança de Deus”. A vida humana tem uma centelha divina, colocada nas nossas mãos, para amar e cuidar
Quando no mandamento cristão do amor continua: ”(Amarás) de todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda tua força e com todo teu entendimento”, está presente a dimensão da vida pessoal que deve ser amada. “De todo o coração”, é tomar uma decisão pessoal de amar.
O “coração” na cultura bíblica é a sede da decisão, enquanto na nossa cultura helênica, a mente é a sede de decisão. “Com toda a alma”, é viver com disposição pessoal de amar. Sem disposição, sem “alma”, ficamos estéreis no amor. “Com toda a força”, significa ativar a capacidade pessoal de amar. Sermos capazes de amar é um imperativo que se impõe sempre mais.
“Com todo o entendimento”, é fazer a opção pessoal de amar. Como falta essa opção pessoal de amar diante das forças egoístas e interesseiras da “cultura da indiferença” que foi-se evoluindo, como nos fala o Papa Francisco?
Quando o mandamento cristão do amor, em continuidade, pede: “(Amarás) a teu próximo como a ti mesmo”, está presente a dimensão da vida social que deve ser amada. A vida social é decorrência da vida divina e da vida pessoal. Porque somos “imagem e semelhança de Deus”, devemos amar a vida do próximo que também o é. Diante da pergunta do doutor da Lei: “E quem é o meu próximo?” e com a resposta dada pela parábola do “bom samaritano”, Jesus indica que amar o próximo só é possível com a misericórdia; ela, a misericórdia, junto com a justiça, torna-se uma urgente revolução do amor social.
Quando, ao propor o mandamento cristão do amor, Jesus pede ao doutor da Lei que ele: “Faça isso e viverás” e “vai e faze o mesmo”, está presente a dimensão da vida ambiental que deve ser amada. Quando a vida divina, a vida pessoal e a vida social são amadas, inicia uma ação contagiante de amor ao derredor; todo o ambiente é amado; prova disso é o Santo Seráfico, Francisco de Assis, que fez de toda a criação uma fraternidade a ser amada e cuidada como “casa comum”.
Assim, a pandemia pode ser um grande exercício de amar mais a vida. Qual vida? A vida divina, a vida pessoal, a vida social e a vida ambiental precisam ser amadas. Pandemia, pode ser – deveria ser a grande, talvez a única chance da humanidade de fazer a revolução do amor à VIDA. Para uma pré-pandêmica evolução da “indiferença” e “violência” contra a vida, espera-se que a humanidade faça uma pós-pandêmica revolução da “compaixão e “ternura” com a vida.
Amar a vida, eis a questão!
Por: Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas