Fazenda divulga estudos que embasam decretos de revisão dos benefícios fiscais
Documentos ampliam a transparência sobre as medidas destinadas a recuperar parte das receitas tributárias
O governo do Estado publicou, na quinta-feira (14/3), um conjunto de notas técnicas que esclarecem os impactos e as evidências científicas que embasam os decretos de revisão parcial dos benefícios fiscais. Elaborados pela equipe técnica da Secretaria da Fazenda (Sefaz), os estudos ampliam a transparência sobre as medidas destinadas a recuperar parte das receitas tributárias perdidas nos últimos anos.
A análise da Receita Estadual indica que a reoneração dos alimentos representará, para uma família média do Estado, um aumento de cerca de R$ 381 por ano, o equivalente a R$ 1 por dia e que corresponde a apenas 0,3% da renda das famílias. Segundo a nota técnica, o cálculo considera um cenário hipotético de repasse integral da carga tributária ao valor final produtos. Estudos acadêmicos recentes, no entanto, demonstram que o efeito das variações de alíquota é somente parcial.
Conforme os cálculos da Sefaz, os produtos da cesta básica que deverão sofrer a maior variação de preço são os hortifrutigranjeiros, como banana, tomate e ovos, que poderão apresentar um incremento de 13,6% no valor final. O aumento, no entanto, não será percebido pelos consumidores caso esses itens sejam adquiridos em feiras e estabelecimentos de menor porte, que permanecerão isentos do recolhimento de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
As análises técnicas do governo também verificaram o impacto inflacionário das medidas tributárias. Segundo o estudo, as alterações podem ocasionar um incremento de 0,03 pontos percentuais no Índice Nacional de Preços do Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O aumento, no entanto, poderá ser imperceptível caso outros fatores de formação de preço final, como o volume da oferta de produtos, contribuam para a redução dos valores cobrados do consumidor.
A nota técnica ressalta ainda que as medidas relacionadas à cesta básica não afetarão a competitividade econômica das empresas instaladas no Estado, já que as alterações previstas impactam apenas o consumidor final residente no Rio Grande do Sul. A carga tributária sobre as vendas desses produtos para outros estados seguirá inalterada. A comercialização interestadual de hortifrutigranjeiros, por exemplo, continuará isenta.
Famílias de baixa renda não terão impacto
Com a ampliação do Devolve ICMS, as famílias de baixa renda no Estado não sentirão os efeitos da reoneração da cesta básica. A partir deste ano, o programa beneficiará todos os núcleos familiares inscritos no Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal, que engloba famílias com renda total de até três salários mínimos ou meio salário mínimo per capita (por membro).
As famílias inscritas no CadÚnico e que recebem do Bolsa Família terão um aumento superior ao dos produtos da cesta básica, o que significa um acréscimo de mais de R$ 40 por mês no poder de compra. Já as famílias registradas no cadastro federal, mas que não recebem o Bolsa Família, ficarão imunes às elevações ao receberem em torno de R$ 118 por ano. Na prática, a ampliação do Devolve ICMS fará com que dois a cada cinco gaúchos fiquem protegidos dos efeitos das mudanças no preço dos alimentos.
Com a inclusão de 900 mil famílias, o programa de devolução do imposto estadual supera, proporcionalmente, o alcance do Bolsa Família e se consolida como a maior política pública de transferência de renda do país. Atualmente, o Bolsa Família beneficia cerca de um quarto da população brasileira.
Recuperação do nível de arrecadação
A notas técnicas demonstram que o aumento da concessão de benefícios fiscais ao setor produtivo registrado nos últimos anos não tem se refletido no crescimento econômico do RS. Em 2022, por exemplo, houve um aumento de quase 40% no uso desses incentivos – o Estado, porém, registrou uma variação negativa no Produto Interno Bruto (PIB) gaúcho no mesmo ano. Também em 2022, a concessão de crédito presumido, benefício reduz o ICMS devido pelas empresas, somou cerca de R$ 5 bilhões anuais, montante 300% superior ao investimento público realizado pelo Estado no mesmo ano.
“A necessidade de rever gastos tributários é tão importante que as legislações fiscais mais recentes impõem revisões periódicas. Logo, promover a efetividade do gasto tributário no território gaúcho é fundamental para o nosso desenvolvimento econômico.”, afirma a nota técnica.
Os estudos reforçam a necessidade de reestabelecer o nível de arrecadação do Estado para enfrentar os desafios fiscais, manter e qualificar os serviços púbicos e ampliar o investimento. Segundo a Fazenda, em nenhum outro momento o RS enfrentou um declínio tão grande na receita de ICMS em termos reais. A relação entre ICMS e PIB registrada em 2023 foi de 7,3% do PIB, o patamar mais baixo desde 2005, quando o índice chegou a ser de 8,3%. Em valores reais, a receita do principal imposto estadual caiu 6,4% entre 2018 e 2023, enquanto o crescimento econômico foi de 1,7% no mesmo período.
A revisão dos benefícios fiscais também pretende assegurar a receita futura do Estado, que dependerá da regra de repartição do bolo tributário a ser adotada durante os 50 anos de transição da reforma tributária, que começa em 2029. Apesar de o período de referência 2024-2028 ter sido retirado do texto da emenda constitucional, a nota técnica alerta que a lei complementar que regulamentará a distribuição dos recursos possivelmente definirá um período que englobe a arrecadação passada e futura. Neste cenário, se o Estado arrecadar R$ 10 bilhões a mais até 2028, haverá um fluxo de receita de aproximadamente R$ 16 bilhões a mais durante os primeiros 20 anos da transição. “Na prática, ao longo de cinquenta anos, as finanças gaúchas serão afetadas pela arrecadação obtida nos próximos anos”, afirma o estudo.
A nota técnica também contrapõe a visão de que a as alterações dos benefícios seguiriam os efeitos da chamada curva de Laffer, teoria cuja ideia central defende que um eventual aumento de alíquota resulta em queda de arrecadação para o Estado. O estudo explica a origem da teoria, que surgiu para contrapor elevações no imposto de renda – e não do consumo, como é o caso do ICMS. Como exemplo, o documento cita que a arrecadação vem aumentando nos estados que elevaram a alíquota modal no ano passado e diminuindo no RS após a redução do ICMS sobre combustíveis, comunicações e energia elétrica.
Cenário fiscal desafiador
De acordo com a secretária da Fazenda, Pricilla Santana, a revisão dos benefícios fiscais sempre foi considerada o plano alternativo para buscar o incremento de receitas do Estado. Conforme estudo apresentado em dezembro do ano passado, a proposta de recomposição da alíquota modal, apresentada ao Legislativo, incidiria somente sobre 25% dos produtos em circulação no Estado.
“Antes de publicar os decretos de revisão dos benefícios, o Executivo, de forma transparente, deixou claro que esse era o caminho mais árduo. Na primeira proposta apresentada, que reajustaria a alíquota modal, a cesta básica, por exemplo, ficaria de fora”, lembra a gestora. “O cenário não mudou desde o início das discussões. As medidas seguem necessárias para garantir recursos para enfrentar os desafios fiscais, assegurar a manutenção e a qualificação de serviços públicos e direcionar recursos para investimentos e infraestrutura, que ampliarão a competividade do Estado e contribuirão para a redução do custo produtivo”, avalia.
Segundo Pricilla, o executivo já cumpriu a lição de casa pelo lado da despesa pública com a implementação das reformas da previdência e administrativa. As medidas estruturais foram peça-chave para a redução do gasto com pessoal – o RS foi o ente que mais reduziu esse tipo de despesa em 2022, de acordo com dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). O gasto com servidores ativos, inativos e pensionistas chegou a R$ 36 bi em 2023, uma variação de 15,5% desde 2019, aquém da inflação do período (27,3%). As modificações nas regras de aposentadoria também surtiram efeitos positivos para as finanças públicas – houve uma redução de R$ 10,2 bilhões no déficit previdenciário nos últimos quatro anos.
“Não se trata de fechar os olhos para a despesa pública, que seguirá tendo sua eficiência avaliada constantemente. Mas é o momento de direcionarmos política públicas para restabelecer um nível de arrecadação que acompanhe o tamanho dos desafios fiscais que estão postos, sobretudo referentes à dívida com a União e aos precatórios”, explica Pricilla.
De acordo com a STN, o RS possui a maior Dívida Consolidada Líquida em relação à Receita Corrente Líquida (RCL) do Brasil. O índice chegou a 199% em 2023, seguido pelo Rio de Janeiro, que alcançou o patamar de 168%. Os precatórios também despontam como um ponto de atenção para a gestão fiscal do Estado. O passivo com decisões judiciais do RS é de 33% da RCL, o maior patamar entre os estados brasileiros – 41% acima dos segundos colocados, Distrito federal e Rondônia. O estoque de precatórios do Estado é de R$ 16,6 bilhões.
Fonte: Governo RS