Canguçu, sexta-feira, 29 de novembro de 2024
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Liberdade de imprensa: ética versus etiqueta

Por Pablo Rodrigues, jornalista e ex-editor-chefe do Diário Popular O jornalismo, por mais atacado que seja, está entre as profissões indispensáveis principalmente nestes tempos de tanta incerteza e desinformação. Do trabalho dos jornalistas depende, em grande parte, a compreensão da sociedade e a consequente defesa de valores fundamentais, como a democracia, a justiça e a […]


Por Pablo Rodrigues, jornalista e ex-editor-chefe do Diário Popular

O jornalismo, por mais atacado que seja, está entre as profissões indispensáveis principalmente nestes tempos de tanta incerteza e desinformação. Do trabalho dos jornalistas depende, em grande parte, a compreensão da sociedade e a consequente defesa de valores fundamentais, como a democracia, a justiça e a liberdade, por exemplo. Aliás, é sobre liberdade – mais especificamente, a de imprensa – que este texto pretende falar, como quem fala a um amigo. Porque o leitor (entendido aqui como cidadão) é, invariavelmente, o melhor amigo (e a razão de existir) dos que escrevem, dos jornalistas.A liberdade de imprensa muitas vezes desacomoda, inquieta e, inclusive, irrita – a alguns apenas, mas irrita. Existe para garantir que nada de relevante ao público possa permanecer oculto. Para que desmandos não se criem. Para que a corrupção não tenha a última palavra. Para que abusos não se perpetuem. Jornalismo que renuncie a jogar luz sobre os fatos, mesmo os mais doloridos, revoltantes e obscuros, provavelmente já nem possa mais ser chamado de jornalismo. Os escândalos do Mensalão só vieram à tona porque a imprensa é livre. Assim como só vieram à tona as suspeitas de “rachadinhas” e enriquecimento ilícito de um dos filhos do presidente Bolsonaro porque a imprensa segue livre. Não à toa, o desejo de todo governante autoritário é colocar mordaça nos jornalistas, desacreditá-los. O Brasil só tem conhecido rosto, nome e domicílio eleitoral de seus corruptos porque a imprensa caminha livremente. Não sem ataques (na maior parte das vezes, infundados), mas livremente.Se os grandes jornais ou emissoras de rádio e televisão sofrem com as tentativas de censura ou de obstrução do trabalho jornalístico, o que se dirá dos pequenos? Sim, porque as relações são mais próximas nas cidades menores. Uma denúncia tem maior probabilidade de atingir um vizinho, talvez, ou quem sabe aquele profissional, pedreiro ou médico, até então querido por todos e supostamente inatacável. O leitor, inteligente, já presume, intui, imagina o rumo final destas linhas.Falo do que sei, do que testemunhei, do que vivi: a censura é um cão faminto e incansavelmente à espreita. Ronda a casa dia e noite. E basta uma mínima brecha no portão para que ele se instale. No início, talvez até se faça passar por animal domesticável. Mas nunca deixará de ser o que é: selvagem, anticivilizatório. Com a censura, não se flerta. Com a censura, não se dialoga. Nos cerca de dez anos em que estive em cargos de coordenação do Diário Popular, seis deles como editor-chefe, conheci inúmeras caras da censura. Recebi comissão de vereadores a reclamar de – pasmem! – divulgação das diárias custeadas pelo dinheiro público. Mais: de ameaçar, caso novas reportagens sobre o tema fossem feitas. E, sim, elas foram feitas. Uma, duas, três vezes mais. Não por revanchismo, mas por senso de dever, por vocação à verdade e à transparência. Recebi alerta de diretor de presídio para que não se falasse mais nas facções que disputavam o tráfico em Pelotas, porque as reportagens já eram comentadas, com certo grau de irritação, pelos detentos nas galerias. Recebi ameaça velada de empresário pelotense descontente com reportagem – pasmem, de novo! – sobre os preços baixos nos freeshops da fronteira com o Uruguai: “Vocês querem acabar com o comércio de Pelotas!”.Enfim, feliz da cidade, grande ou pequena, que tem jornalismo vivo, pulsante e corajoso. Não sei de metade do que a turma do Canguçu Online tem passado por andar de mãos dadas com a verdade, por mostrar, sem medo, as denúncias de abuso sexual cometido por um médico de Canguçu. Por estar do lado certo: o das vítimas. Porque o lugar do jornalismo não é ao lado dos poderosos, mas ao lado dos que sofrem. Para que não sofram mais. Compreender a importância da liberdade de imprensa é assimilar profundamente que não, nunca, um médico pode abusar de suas pacientes. E que sim, sempre, nada de tão importante como isso, ainda que doa, nos pode ser escondido. Porque ética é diferente de etiqueta. Viva a liberdade de imprensa! Viva o jornalismo!