Tem cura, sim!
Desde que surgiu, no fim de dezembro de 2019 em Wuhan, na China, a covid-19 fez muitas vítimas (aproximadamente 290 mil no mundo todo). Mas um número muito maior de pessoas se recuperou do quadro. Segundo dados da Universidade Johns Hopkins, dos 4,2 milhões de contaminados pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) no mundo todo, cerca de 1,5 milhão de […]
Desde que surgiu, no fim de dezembro de 2019 em Wuhan, na China, a covid-19 fez muitas vítimas (aproximadamente 290 mil no mundo todo). Mas um número muito maior de pessoas se recuperou do quadro. Segundo dados da Universidade Johns Hopkins, dos 4,2 milhões de contaminados pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) no mundo todo, cerca de 1,5 milhão de pessoas já se “curaram” —eram 1.482.583 recuperados quando fechamos o mapa abaixo e, às 10h20 de 13 de maio, já tínhamos 1.504.429. No Brasil, mais de 67 mil pacientes superaram a doença.
De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), mais de 80% dos casos da doença são leves e, entre os 20% graves, nota-se um acometimento de vários órgãos do corpo com sequelas que devem durar por meses após a alta hospitalar.
Na verdade, ainda não sabemos tanto sobre a vida pós-covid-19, pois, como muitos especialistas têm dito: “estamos construindo e pilotando um avião ao mesmo tempo”. A reportagem de VivaBem foi entender o que já se sabe sobre a recuperação pós-covid-19 e mostra para você o número de curados em alguns países, os principais tratamentos usados e como são os cuidados com os órgãos mais afetados pelo vírus.
Curados x recuperados
O que se sabe sobre o Sars-CoV-2 ainda é pouco, principalmente para falar em cura. O potencial de transmissão após o desaparecimento dos sintomas, assim como a imunidade ao vírus são incógnitas para a ciência. É por isso a própria OMS prefere usar outro termo para se referir aos que já não apresentam os sinais da covid-19: os recuperados.
Como não há testes suficientes para mostrar se os pacientes estão mesmo livres da doença, não apresentar mais os sintomas tem sido o critério para definir a recuperação. “É claro que a gente olha os exames de sangue, os marcadores de inflamação, se estão melhores, mas o que importa mesmo é a melhora clínica”, diz João Prats, infectologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo. Segundo o médico, conta-se 14 dias após o início dos sintomas.
Depois desse tempo, para dizer que a pessoa está recuperada, basta os sintomas terem melhorado.
As estimativas atuais do período de incubação do vírus (tempo entre a infecção do ser humano pelo vírus e o início dos sintomas da doença) variam de 1 a 14 dias, mais frequentemente ao redor de cinco dias.
A falta de certezas quanto a uma cura também impacta nos dados. A Universidade Johns Hopkins, por exemplo, que rastreia a contagem de casos e o número de mortos relatados por regiões de todo o mundo, diz que os dados sobre recuperações são menos precisos.
Douglas Donovan, porta-voz da universidade, disse à CNN que muitos municípios, estados, territórios e regiões não informam quantos de seus residentes se recuperaram. Muitas vezes até pela falta de testes moleculares —como é o caso do Brasil. “Os casos recuperados são estimativas em nível nacional com base em reportagens da mídia local e podem ser substancialmente inferiores ao número real”.
Quanto tempo leva para a cura?
A recuperação do coronavírus depende de diversas variáveis: idade, sexo e outras comorbidades que podem agravar o quadro (asma, diabetes, obesidade, hipertensão, por exemplo). Quanto mais grave a doença, mais demorada é a recuperação.
“Geralmente são necessárias seis semanas para se recuperar, mas quem sofre de quadros muito graves pode levar meses”, disse Mike Ryan, diretor executivo do Programa de Emergências em Saúde da OMS, em entrevista em março.
De acordo com André Ribas, médico epidemiologista da Faculdade São Leopoldo Mandic, são notadas melhoras em pessoas de todas as idades, mas a taxa de mortalidade depende muito da faixa etária.
Em pacientes mais jovens, a proporção dos que melhoram fica entre 93% e 95%. Em adultos é de 98%; em idosos, chega a 80%.
A maioria das pessoas com Sars-CoV-2 desenvolve quadros leves da doença. Uma análise da OMS diz que casos leves demoram, em média, duas semanas para passar. “Nesses casos, as pessoas se recuperam muito rapidamente, em dois, três dias. A maioria nem vai procurar um hospital”. Já em quadros mais moderados, em que há falta de ar, o médico afirma que a internação pode durar de quatro a oito dias.
A OMS estima que uma pessoa em cada 20 necessitará de tratamento intensivo, o que pode incluir sedação e oxigenação. E recuperar-se do tempo em uma UTI (unidade de terapia intensiva), demora. “Esse tempo varia, dependendo da resposta inflamatória. Muitas vezes as complicações podem ser tanto pulmonares quanto cardiovasculares, então depende de quais complicações o paciente teve”, diz Ribas.
Prats conta que o paciente fica um tempo na UTI, se recupera do coronavírus, mas continua hospitalizado por mais um tempo para se recuperar das potenciais sequelas. “Quem teve uma doença muito grave pelo coronavírus e fica na UTI, precisa ser intubado, necessita de ventilação mecânica por bastante tempo, de diálise, de vários medicamentos sedativos e até de drogas para manter a pressão. Isso traz consequências para o corpo”, diz. Um sintoma que é específico do coronavírus e que pode durar por um mês após a saída do hospital é a falta de ar ao fazer esforço.
Os tratamentos mais usados até aqui
Hidroxicloroquina
O principal papel da droga no organismo é controlar a infecção impedindo que o vírus se reproduza. Além disso, o remédio modifica o pH de vesículas que estão no interior das células. Isso prejudica a produção de partículas que um vírus precisa para se multiplicar. Assim, ele acaba não se reproduzindo e a infecção é controlada.
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Anticoagulantes
Especialistas já identificaram que o coronavírus provoca um aumento da coagulação em pacientes com quadros mais graves. Um estudo preliminar do Hospital Sírio-Libanês (SP) apontou que o medicamento heparina ajuda a desfazer os coágulos que são formados na microcirculação do pulmão e em outros locais do corpo.
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Plasma
Pesquisadores apontam que o plasma –parte líquida do sangue– de quem se recuperou tem anticorpos chamados de “neutralizantes”, que podem ser úteis para compensar a incapacidade do sistema imunológico do indivíduo doente e antecipar sua melhora. A técnica existe há mais de 100 anos e foi usada durante as epidemias de Sars e Mars, doenças respiratórias causadas por outros coronavírus.
- Corticoides
Seu uso ainda é controverso e não há estudos específicos com pacientes com covid-19. Análises sugerem que o tratamento com corticosteroides alivia a fibrose pulmonar e impede a deterioração patológica progressiva em casos de síndrome respiratória aguda grave. No entanto, estudos apontam que essas drogas aumentam a carga viral, o tempo de internação e o risco de infecção secundária.
Os órgãos mais afetados pelo coronavírus
Confusas com a infecção, células de defesa do nosso organismo podem entrar em atividade exaltada, combatendo tanto o inimigo quanto outras células saudáveis. Assim, o sistema imunológico prejudica órgãos do corpo todo com reações inflamatórias:
Pulmões
Reações inflamatórias causam a pneumonia e o espessamento da membrana que leva o oxigênio ao sangue, gerando falta de ar. A agressão também leva à exposição de terminações nervosas no epitélio pulmonar, resultando em tosse.
Coração
A inflamação provocada pelo vírus pode facilitar a formação de coágulos, aumentando o risco de entupimento de vasos do coração. Ainda pode gerar miocardite –inflamação do músculo cardíaco, que tem como sintomas dor torácica e febre. Isso pode enfraquecer o órgão e causar alteração nos batimentos, insuficiência cardíaca e morte súbita.
Cérebro
Observações clínicas apontam danos como encefalite, mielite, crises convulsivas e até estados epilépticos refratários neurológicos.
Rins
A inflamação pode causar lesão renal, quadro que impossibilita que o órgão filtre os resíduos do sangue. Sem essa capacidade, o paciente sofre com fadiga, retenção de líquidos e náuseas. Se a lesão for severa, pode haver a necessidade de hemodiálise (procedimento que imita função dos rins).
Sair do hospital não é o fim…
Por ser uma doença nova, os médicos afirmam que ainda não é possível determinar os efeitos em longo prazo da covid-19 nos órgãos afetados, mas dizem que é provável que haja danos permanentes.
Em uma entrevista à BBC, Alison Pittard, reitora da Faculdade de Medicina de Cuidados Intensivos do Reino Unido, disse que algumas partes do organismo podem levar de 12 a 18 meses para voltar ao normal após qualquer período de tratamento intensivo. A seguir, mostramos problemas que já foram identificados após a recuperação.
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Pulmões
Há um consenso entre os especialistas: depois de vários dias de intubação, o paciente perde força nos membros do corpo (pernas e braços, por exemplo) e nos pulmões, necessitando de fisioterapia respiratória para recuperar o fôlego. Alguns médicos também afirmam ter detectado turvamento em tomografias dos pulmões de pacientes recuperados da covid-19, uma possível indicação de fibrose, quadro que reduz permanentemente a capacidade respiratória.
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Rins
Estudos apontam presença excessiva de proteínas na urina, um sinal de nefrite (inflamação nos órgãos). Além disso, os acometidos pela covid-19 também podem apresentar insuficiência renal, a perda de capacidade dos rins de remover e equilibrar fluidos no organismo, em diferentes graus. Mesmo após a alta, se os danos forem extensos, alguns pacientes podem necessitar de hemodiálise para o resto da vida.
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Coração
Um dos danos mais comuns em pacientes com quadro grave de covid-19 é a injúria miocárdica, uma lesão no coração. As troponinas, proteínas que participam do processo de contração muscular, podem cair na circulação sanguínea, causando, em tese, uma cicatriz permanente.
Outros problemas que podem acometer o paciente são confusão mental, insônia, fadiga, estresse pós-traumático, dificuldade de fala e deglutição.
Após a alta hospitalar, algumas pessoas podem necessitar de acompanhamento multiprofissional que engloba especialistas como fisioterapeuta, psicólogo, fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo e médicos de diversas especialidades.
É possível ser infectado novamente?
A resposta para essa pergunta é: provavelmente não. Porém, ainda não dá para dizer que ela é 100% confiável e uma pessoa recuperada não terá covid-19 outra vez.
É importante lembrar que estamos aprendendo enquanto a doença evolui, e todas as respostas que buscamos precisam de tempo para observação.Luiz Vicente Rizzo, imunologista e diretor-superintendente de pesquisa da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein (SP)
De acordo com o especialista, o que sabemos por enquanto é que a pessoa contaminada pelo novo coronavírus desenvolve um tipo de anticorpo neutralizante a partir da chamada resposta humoral, provocada pelas células de defesa chamadas linfócitos B —uma reação mais universal e menos específica do que a provocada pelos linfócitos T, a chamada resposta imune celular.
A questão é que ainda não sabemos se essa resposta tem um efeito protetor. “Quando observamos a infecção pelo vírus HIV, por exemplo, notamos a resposta humoral, mas o vírus continua ativo dentro do paciente”, explica o médico.
Mas nem tudo está perdido: ao observar o histórico de outros vírus respiratórios (como o da gripe), notamos que sim, essa resposta se torna protetora —ou seja, o corpo vai criar imunidade após ser contaminado.
A questão que vem depois disso é, por quanto tempo ela vai durar? Não sabemos, não deu tempo ainda. O estoque de informações ainda é raso.
Quando olhamos para os outros coronavírus, como os que causaram a Sars e a Mers, a média de duração da imunidade é de três anos. “Mas sabemos que o Sars-CoV-2 se comporta diferente dos ‘irmãos'”, diz Rizzo. “E, novamente, precisamos de tempo para saber como ele vai se comportar com respeito à imunidade”, acredita.
Nesse mar de incertezas e respostas ainda por vir, uma coisa tem ficado cada vez mais clara: pessoas que se recuperaram da covid-19 e, dias depois, testaram positivo novamente para o vírus não foram reinfectadas. De acordo com a líder técnica da OMS, Maria van Kerkhove, o resultado dos exames acontece, pois parte do processo de cura inclui a eliminação de algumas células mortas do pulmão que podem conter parte do material genético do vírus.
É esperar para saber as respostas de todas as perguntas. E, nesse tempo em que aguardamos, que a gente tenha mais e mais milhões de curados —ou recuperados, como você preferir.
Fonte: UOL