Pesquisa investiga nova classe de fármacos promissora contra leucemias agudas
Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) estudam um possível novo tratamento para as leucemias agudas, tipos de câncer cuja mortalidade em adultos pode chegar a mais de 50%. Com a molécula sintética THZ-P1-2, recém-lançada pela indústria farmacêutica, foi possível eliminar mais de 80% dos tumores em […]
Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) estudam um possível novo tratamento para as leucemias agudas, tipos de câncer cuja mortalidade em adultos pode chegar a mais de 50%. Com a molécula sintética THZ-P1-2, recém-lançada pela indústria farmacêutica, foi possível eliminar mais de 80% dos tumores em ensaios ex-vivo, feitos em células retiradas de pacientes. O estudo é relatado em artigo publicado na Blood Cancer Journal, revista de referência na área e do grupo Nature.
As leucemias agudas são divididas em duas categorias: as leucemias mieloides agudas (LMA) e as leucemias linfoblásticas agudas (LLA). A maior parte dos casos da LLA acontece em crianças e não costuma causar morte pois há muitas terapias já consolidadas para esses casos, o que não ocorre com os adultos. Já a LMA é mais comum em adultos, o que, pela falta de opções terapêuticas para a faixa etária, ajuda a explicar a alta taxa de mortalidade. “Ambas são muito agressivas, e pessoas que não receberam nenhum tratamento podem morrer em poucos meses”, explica João Agostinho Machado-Neto, professor do Departamento de Farmacologia do ICB, que coordenou a pesquisa no Laboratório de Biologia do Câncer e Antineoplásicos do instituto, junto com o professor Eduardo Magalhães Rego, líder da Divisão de Oncologia e Hematologia Clínica do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP.
No estudo, foram realizados testes em células de 40 pacientes do HC e 25 do Centro Médico da Universidade de Groningen, na Holanda, parceiro na pesquisa, descrevendo em detalhes o mecanismo de ação da molécula THZ-P1-2, inibidora das proteínas PIP4K2s, no tratamento de câncer. Os resultados são baseados em duas hipóteses desenvolvidas anteriormente no laboratório do ICB. “Os quadros de pacientes com LMA, com maiores níveis das PIP4K2s, evoluem mais rapidamente e têm mais chances de morte”, explica Keli Lima, doutoranda em Ciências Médicas pela FMUSP e primeira autora do trabalho. “Já pacientes com polimorfismos, ou seja, variantes genéticas e hereditárias no gene PIP4K2A, têm maiores chances de desenvolver a LLA.”
Molécula seletiva
De acordo com a pesquisadora, parte da eficácia do fármaco pode ser explicada por um diferencial da molécula THZ-P1-2. “Ela ataca os tumores de múltiplas formas, causando morte celular programada (apoptose), fazendo a célula ‘comer’ a si mesma (autofagia), mudando o metabolismo e induzindo à diferenciação entre aquelas que são cancerosas e as saudáveis. Tudo isso aumenta as chances de sucesso do tratamento”, destaca ela. O inibidor também se mostrou seguro, pois não houve qualquer tipo de ameaça à integridade das células não tumorais. “Ele também foi aplicado em células precursoras das células do sangue (hematopoiéticas) saudáveis e não houve qualquer efeito. Vimos que a molécula tem uma boa seletividade, sendo capaz de atacar preferencialmente as células tumorais”, explica Machado-Neto.
Segundo a pesquisa, a THZ-P1-2 aparentou ser mais indicada para a LLA, pois a molécula gerou efeitos nas células de todos os pacientes com essa condição. Enquanto na LMA, cinco pacientes não tiveram nenhum tipo de resposta. Os resultados foram obtidos por meio de ensaios laboratoriais para avaliar viabilidade celular (testes colorimétricos), citometria de fluxo (análise de células e partículas microscópicas suspensas em meio líquido), expressão gênica e proteica, realizados no ICB. Também foram realizados, na Universidade de Groningen, testes de citometria (medida do número e características das células), respirometria de alta resolução (medida do oxigênio consumido) e proteômica (análise da proteínas expressas). “Em colaboração com o grupo holandês, conseguimos definir com maior precisão os marcadores de resposta ao THZ-P1-2, o que nos permitirá identificar, no futuro, quais são os pacientes com mais chances de resposta ao novo fármaco”, ressalta o professor.
Maior eficácia
Machado-Neto aponta que as terapias atuais das leucemias agudas se restringem aos transplantes de medula óssea e à quimioterapia. No entanto, muitas pessoas, principalmente com mais de 60 anos, não podem ser transplantadas, por se tratar de um procedimento de risco nesse grupo. Eles acabam se submetendo à quimioterapia, mas sempre em baixas doses, devido à toxicidade do tratamento, podendo receber o medicamento venetoclax, cuja eficácia é significativa apenas em parte dos pacientes.
“Além de sozinha já obter uma alta eficácia, a molécula THZ-P1-2 ainda se mostrou capaz de melhorar a resposta das células leucêmicas ao venetoclax e de outros fármacos que atualmente não são eficazes o bastante para serem utilizados no tratamento, podendo atuar em conjunto com eles em um coquetel”, relata.
O composto também obteve bons resultados em um estudo (ainda não publicado) realizado com modelos animais por um grupo de pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Cornell em associação com a Petra Pharma, ambas dos Estados Unidos. Nesse estudo, os pesquisadores identificaram que a molécula levou a uma rápida regressão dos tumores e não apresentou toxicidade. Isso a credencia para ensaios clínicos, ou seja, testes com pessoas. “Caso esses estudos com humanos se iniciassem hoje, já poderíamos saber em dois a quatro anos se o medicamento é seguro e eficaz”, afirma o professor do ICB.
A THZ-P1-2 está sob patente de uma farmacêutica, portanto cabe a essa empresa realizar esses estudos. Os pesquisadores do ICB irão agora analisar outros inibidores das proteínas PIP4K2s. “Depois que a THZ-P1-2 foi lançada, outras empresas desenvolveram moléculas similares. Nosso trabalho agora é testá-las para verificar qual obtém os melhores resultados”, destaca Machado-Neto. “O mais difícil, que foi identificar o mecanismo de ação dos inibidores em nível celular e molecular, nós já fizemos”, avalia Keli.
Fonte: Jornal da USP / Assessoria de Comunicação do ICB